Nesse tempo eu era assessor do corregedor-geral do Ministério Público do Estado. Acompanhava o corregedor nas viagens de correição e fazia o balcão do gabinete, atendendo toda sorte de interesse do serviço.
Um dia chegou um moço bem posto assumindo, porém, um ar contrariado.
Trazia uma queixa. Queria saber por quê fora reprovado no último concurso de ingresso na carreira. A resposta era simples e eu logo repassei: má sorte, algum tema difícil ou um equívoco imprevisto. E assim me dispensei de outras explicações. Ele, porém, reagiu: ele não era só bacharel em Direito. Era formado em sociologia também. E sabia que se saíra bem nas perguntas da prova porque o próprio procurador-geral interrompeu o exame, bateu nas suas costas e falou: Pode ir embora, comigo você tem dez! E foi assim que ele saiu confiante, com o tapa de aprovação e o dez que o próprio presidente da banca tornou público e sonoro.
Diante disso a reclamação até me pareceu razoável. Supus então a possibilidade de algum equívoco ou de uma distração mais grave que prejudicasse o lançamento da nota. E, então, me propus a rever os documentos do exame e a conveniência de até consultar algum dos componentes da mesa.
Foi então que, ao revirar os arquivos do concurso, lá estava entre os papéis e as notas, aquela mesma do procurador-geral e do concursado: nota um, só e simplesmente um. Apenas um. Responsável certamente pela sua reprovação.
Mas, mesmo assim passei a admitir comigo: não poderia ter havido um engano? O funcionário distraído não viu o zero e lançou simplesmente a nota um, em vez de completá-lo com o zero do dez? O dez fora declarado e confirmado pelo gesto público de aprovação do examinador, que era, sobretudo, o próprio chefe da instituição e, mais ainda, levando em conta a qualificação do candidato: advogado e sociólogo. Só isso não seria bastante para admitir a possibilidade de um erro ou o que fosse?…
Diante dessa confiança, fui direto ao procurador-geral, meu dileto amigo Jerônimo Albuquerque Maranhão, homem de exemplar dignidade e orgulho da instituição. Àquela altura eu já estava possuído do espírito de quem vai corrigir uma injustiça. Dever de promotor!…
Expus então tudo o quanto pude, tentando evidenciar a hipótese de um erro. Reproduzi o gesto e repeti a nota, que ele ouviu calado. Não negou um nem confirmou um outro. Quando calei ele então esgueirou um sorriso complacente e falou: Meu caro, muitas vezes nós temos que ser generosos com os jovens… Só isso e mais nada.
E então eu saí da sala, calado e pensando comigo: mas que judiação!…