Lembro que, anos atrás, o deputado Leonardo Paranhos da Silva (hoje prefeito de Cascavel), apresentou um projeto de lei na Assembleia Legislativa fazendo incluir, no questionário dos vestibulares  de acesso às instituições superiores de ensino do Estado, uma indagação relativa a autores e obras dos membros da Academia Paranaense de Letras.

Louvei o gesto, embora a iniciativa não tivesse prevalecido, lembramos, porém, que o escritor paranaense Carlos Zatti, do Instituto Histórico, já teve ainda recentemente seu livro “O Paraná e o Paranismo” incluído nos quesitos do vestibular da Universidade Estadual de Guarapuava.

A propósito vale então recordar que nossa Academia de Letras é obra de 1936, com 40 vagas acadêmicas. Sua criação é homenagem que se presta hoje a Ulisses Vieira, seu fundador, que fez reproduzir nela o modelo da Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 e que, por sua vez, reproduziu a mesma natureza e composição da Academia Francesa, fundada pelo cardeal Richelieu, em 1635, a qual, ao que consta, foi criada para conter as inquietações e os arroubos dos seus gens de lettres.  Seus membros passaram então a ser vistos como eruditos, dotados de uma visão comum superior do significado da vida e do destino do mundo.

E assim se conservaram mesmo depois que Colbert criou a Academia Real de Ciência (1666), reunindo em terreno comum os homens de letras e os de ciência, embora hoje o papel das letras seja bem mais definido, para aqueles devotados ao exercício da arte da palavra e da criação escrita.

Mas, a bem de ver, de certo modo, já não gozam de todo o prestígio cultural e social de anteriormente.  Perderam muito de sua representatividade e as academias hoje são acusadas de passarem a clubes fechados, corporativos, mais de representação social do que cultural. E, no mais das vezes estéreis. Hoje também há autores que dispensam essas láureas e creem que podem impor seus méritos sozinhos. Flaubert, Stendhal, Baudelaire, e, depois deles, Proust e Gide não pertenceram a qualquer academia. Assim também no Brasil, Constâncio Alves recusou figurar entre seus fundadores. Sérgio Buarque de Holanda não aceitou o convite, igual como sucedeu com Alphonsus Guimarães e Oswaldo Aranha. Lobato só teve um voto e não concorreu mais. Igualmente tem ocorrido no Paraná, desfalcando nossa representação cultural. Juscelino Kubistchek foi rejeitado em 1975, porque sua candidatura foi considerada de natureza política. Vicente de Carvalho recusou o convite para a Academia Paulista, queria figurar na brasileira. Como o convite tardou, acabou aceitando o de casa mesmo, até que, mais tarde, fosse realmente contemplado com o título nacional. Também não mostraram interesse em integrar o Petit Trianon, Capistrano de Abreu, Afonso Celso, Gilberto Freyre, Mário de Andrade e tantos outros expoentes de nossas letras. Houve casos também do médico Pedro Salomão José Kassab, eleito para a Academia Paulista de Letras sem nunca ter escrito um livro, mesmo de medicina ou educação, embora gozasse de grande prestígio como médico e cientista, e era ainda versado no culto do vernáculo. Ora, mais surpreendente foi o que ocorreu com a própria Academia Francesa, quando d’Alembert confessou a Voltaire que tanto o bispo de Limoges, chamado Coellosquet não sabia ler, como o gramático e poeta Charles Batteux, também não sabia escrever. Por sua vez, o próprio d’Alembert foi visto como bom poeta entre os geômetras, e bom geômetra entre os literatos. Ainda consta, como arremate, que quando Lauro Müller concorreu à Academia Brasileira não tinha nenhum livro escrito. Então, para justificar suas letras, foi editado um livro, às pressas e em letras garrafais, de um discurso que havia proferido numa cerimônia de homenagem ao presidente marechal Hermes da Fonseca.

Porém, apesar dessas notas críticas e de constrangimento, as academias ainda conservam sua imagem de centro de convívio e vida cultural de uma sociedade, um bastião de suas tradições e modelo de linguagem culta.  Mas, assim, como fazem tantos, o Paraná precisa também se reinventar, para conquistar o destaque que merece no concurso nacional. Veja-se que dos 277 nomes de patronos e membros da Academia Brasileira de Letras só tivermos dois deles: Emílio de Menezes e Rocha Pombo, ambos eleitos in articulo mortis, e nem tiveram posse solene. Morreram antes delas. Doutro lado, durante mais de 130 anos de vida republicana do Supremo Tribunal Federal, só tivemos até então, um único representante: Ubaldino do Amaral Fontana, filho da Lapa, ainda do tempo do Paraná Província. Mas Ubaldino só exerceu a suprema judicatura durante um ano e cinco meses. Aposentou-se e foi para a administração nacional, quando chegou a árbitro da Corte Internacional de Haia.

Porém, a despeito da nossa riqueza, desenvolvimento e expressivo contingente populacional, nunca merecemos maior destaque  na política e na arte literária do país, embora, como fez ver Metry Bacila, no início do século XX chegamos a alcançar expressivo destaque frente ao país, diante da atividade das nossas das letras. Hoje, entretanto, só ocupamos o 18.º lugar; um dos cinco últimos da Federação.

Certamente precisamos reagir e promover nosso patrimônio cultural, que é rico e se sobrepõe a muitos outros. Pois, foi esse mesmo o sentimento paranista que animou a obra e a pregação de Romário Martins, e que vai permitir alargar e multiplicar os caminhos que nos levem a garantir a memória e a presença dos nossos homens de letras, o exemplo de suas vidas e obras, em todos os questionários e vestibulares que se proponham a dar à nossa juventude o acesso aos valores permanentes da cultura e da arte literária.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: F1 Digitals por Pixabay