O arquiteto e urbanista Jaime Lerner morreu em maio último e sua perda repercutiu no país e no mundo inteiro, merecendo registro na revista norte-americana Planetizen, de ter sido em 2018 um dos mais influentes dos 110 maiores representantes do setor de planejamento urbano do mundo, confirmando o juízo anterior da revista “Time”, da “New York Times’ de ter incluído sua presença entre os 25 pensadores mais inovadores do mundo.

Para Curitiba tem sido nossa maior referência nacional, mas seu nome está sempre associado, no plano internacional, não só pela adoção de um sistema viário urbano (BRT ou metrô de superfície), hoje adotado por mais de 250 outras cidades estrangeiras, como pela sua participação na execução de inúmeros outros importantes planos e projetos urbanos no exterior. Tanto que hoje, por sua conta e importância, se atribui à Curitiba a categoria de cidade global, classificada ainda no grupo Gama, mas só por causa de sua densidade populacional, porque por sua qualidade de vida ela é semelhante a Washington, Roma, Boston, Montreal e tantas outras cidades de porte igual.

Vale lembrar que Curitiba foi primeiro a vilinha da beira do Atuba, identificada por Júlio Moreira e seguida pelo arraial de N. S. da Luz de Pinhais, onde Matheus Leme ergueu o pelourinho (1668) e depois foi levada ao reconhecimento de vila, para ganhar enfim seu topônimo atual (1772).

Porém, embora Jaime Lerner tenha alcançado sua consagração internacional e tivesse seu nome ligado a importantes projetos e empreendimentos estrangeiros, Curitiba é que, a nosso ver, constitui a razão maior do seu sucesso pessoal e dos seus projetos de reconstrução urbana, dentre todos, talvez, o mais representativo do seu talento nativo e criador, objetivando uma visão integral e moderna da vida urbana.

E que essa visão possa contribuir, pelo menos, para desfazer o juízo menor de muitos dos seus próprios filhos que, ao redor do tempo, têm menoscabado o destino do Paraná e sua gente, tal como o jovem Pinheiro Machado, da revista “A Ordem” de 1930 (depois penitente), para quem o Paraná era um estado incaracterístico e seu povo não tinha traço que o distinguisse dos outros. Depois dele, veio o jornalista Fernando Pessoa Ferreira, então nosso hóspede, para quem Curitiba era uma terra de exílio e os curitibanos uma tribo que se alimentava de pinhões. Nosso conterrâneo Dalton Trevisan quando vinha a Curitiba anunciava aos amigos (se os tinha…) que vinha pour s’emerder. Para David Carneiro também, líder social e da nossa historiografia, o paranaense é um biriba ou biriva, que, por incúria própria, deixa que o adventício tome conta de tudo e governe seu Estado. Igual postura subalterna ofereceu Temístocles Linhares de que o paranaense, embora filho de um Estado forte e rico, só se ocupa porém de coisa humilde e secundária.

Assim, pelo que se vê e se sabe, o curitibano é de postura social contida e sua cordialidade aguarda sempre a iniciativa do próprio estranho. Essa continência é o que o projeto Curitiba de Lerner procura resgatar, em parte, quando abre todo o espaço da rua XV para convertê-lo num jardim de quiosques e floreiras, mesas e cadeiras, soltas ao passeio e entregues aos serviços de rua, ao uso e ao lazer de todos os pedestres.

Por sua vez, uma das marcas do projeto é aliviar a cidade da opressão do crescimento urbano do nosso tempo, procurando preservar a vida pessoal e o fluxo do espaço público, mediante a articulação do centro com o bairro, através de canaletas exclusivas e estações tubo de acrílico, oferecendo ainda o desfrute dos espaços verdes de 34 amplos parques públicos. Ao invés do planejamento circular da cidade, como era antes, Lerner trouxe sua visão de cidade linear, crescendo por seus eixos estruturais.

Trouxe com ele também, uma nova linguagem arquitetônica de metal e vidro, simples, rápida, marcante, com que fez a Opera de Arame, o Jardim Botânico, a Rua 24 Horas, pois Lerner valoriza a pressa e sustenta: “a obra feita com pressa fica mais bem feita”, ou, “pensar o ideal e fazer o possível já”, – as frases são dele.

Uma das preocupações emblemáticas de todo seu plano urbano é mesclar a convivência da moradia, com o trabalho e o lazer, reduzindo-se o espaço comum entre eles, tal como inspirou o projeto da Cidade Industrial e animou todo o seu plano urbano.

Enfim, ao que se vê, Lerner promoveu uma verdadeira revolução urbana, cuja extensão só se pode ver do topo, mas que goza do reconhecimento e consagração geral, das autoridades mais eminentes do setor e do mundo em geral. Mas, incumbe destacar que a obra não é só dele e de sua exclusiva genialidade. É um fruto comum, de que desfrutam seus outros coautores assemelhados a ele, movidos pelo ideal de construir um mundo melhor e mais digno da condição humana.

Seu início se atribui a criação do Ippuc e sua restruturação e à criação em Curitiba do Curso de Arquitetura e Urbanismo, que favoreceu a presença de professores que representavam o pensamento mais atual e significativo da área no Brasil, além de jovens talentosos e engajados, como Abrão Assad, Lumiar Ficinsk Dunin, Osvaldo Navarro e Domingos Bongestabs, que passaram a integrar a equipe e contribuir para sua obra. Lerner era, porém, o seu guru. Homem de espírito otimista e aberto ao convívio e ao diálogo. Pronto a aprender e pronto a trabalhar com o lado bom das pessoas, como dizia. Deixou lembranças imorredouras entre amigos e admiradores, hoje voltados a preservar sua presença e suas realizações em obras consagradoras, como o projeto do deputado Evandro Roan, no Congresso Nacional, atribuindo o nome Jaime Lerner para a Ponte da Amizade, na divisa com o Paraguai; ou,  seu nome  para o Parque do Barigui, para o vereador Leprevost, e ainda, da parte de Marcos Domakowski, seu sócio do escritório, para se erguer sua estátua em plena  Rua XV de Novembro e atribuir o seu nome ao próprio logradouro central.

Disse tudo o que sei; que digam melhor, os que mais souberem…

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor