Um foi fazendeiro no Mississipi, sul dos EUA, e outro, fazendeiro no Pantanal brasileiro. Cultivadores e encantadores das palavras – William Faulkner, um dos maiores romancistas do Século XX; Manoel de Barros, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.

Os dois nascidos antes da gripe espanhola e falecidos antes da catástrofe maior do XXI, a Covid 19. Para muitos, Faulkner fizera sua literatura ao redor de uma garrafa de whisky. Barros dizia só beber na “fonte dos clássicos”.

Ambos negavam seu ofício de escritor, diziam-se apenas fazendeiros, que gostavam de enfiar-se e de viver no meio rural. Mas, eram escritores maravilhosos, estivessem onde estivessem.

Hoje, faço questão de frisar, a anos luz desses dois mágicos, tenho com eles certas identidades.

Fugi um pouco do pouco da falta de oxigênio das cidades, dos gritos envenenados e desvairados de alguns dos seus grupos, embora viva nas franjas de Curitiba e mantenha com ela uma íntima e amorosa relação.

Nem sonho em encantar as palavras como faziam os dois, mas há sentimentos que muita gente, e não só eu (muitas pessoas em condições terrivelmente mais adversas!), destila nesta falta de ar e de alento em que vivemos.

Sofremos a estupidez circulante a corroer, como vírus, a humanidade. Faulkner sentiu a carne arder com a Guerra da Secessão, mesmo tendo nascido décadas depois, com a degeneração moral das pessoas. Barros viu o lodaçal em que se enfiou o país depois dos anos 1960 e enfiou-se no Pantanal, cujo solo também umedeceu com as lágrimas pela morte de seu filho.

E eu, além do hálito da morte a bufar sobre toda a humanidade, vejo a palermice personificada, cujo nome, a conselho sábio de minha avó, não pronuncio porque coisa ruim se multiplica.

Estou abstêmio, embora já tenha me afogado em tinas de álcool.

Eles eram fazendeiros, tento ser apenas um minúsculo chacareiro, escapando, quem sabe, das tragédias mais proeminentes desses tempos.

Eu me esforço ao máximo para ser um mero cirurgião de chão alcalino e empedrado, a adubar-lhe com calcário e esterco de vaca, e me encantar com pessoas, flores, pássaros, galinhas e gansos.

Nem minhas letras querem mais adubo, tento limpar a melancolia dos vocábulos, lhes acarinhar, mas sabe-se lá… Portanto, arranco pragas das plantas e das palavras, lhes corrijo, quem sabe, o arranjo mais perene e a mácula que causam ao papel.

Faulkner escreveu “Enquanto agonizo”. Manoel de Barros, o primoroso “O livro das ignorãças”. Eu os li. Será que há alguma coisa em comum?

  • Autor: acadêmico Nilson Monteiro
  • Foto: cedida pelo autor
  • Imagem: Nile por Pixabay