“…de toda maneira, existe o costume de me considerar um carneiro de cinco patas.”

Ingmar Bergman

 

Fazia muito frio em Curitiba. No apartamento de primeiro andar de um edifício de frente para a capela do Colégio Santa Maria, a temperatura era ainda pior.

Eu morava sozinho, no apartamento de meus avós, que viviam em Joinville. Meus pais haviam mudado para Recife naquele ano em que fez muito frio em Curitiba.

As aulas no primeiro ano da Faculdade de Direito exigiam pouco esforço. Eu gastava o muito tempo que me sobrava comprando livros, indo ao cinema, comendo fatias de pizza no balcão de lanchonetes.

No próprio Santa Maria havia um cineclube, a funcionar no salão nobre. Era bom programa nos cinzentos fins de tarde de domingo, pleno inverno, atravessar a rua para assistir um filme fora do catálogo comercial. Não lembro se ainda era Cine-Clube Pró-Arte, se já atendia por Cine Riviera. Ali eram exibidos filmes sem apelo comercial, como os da Nouvelle Vague, relançamentos do realismo italiano, obras do leste europeu, como A Pequena Loja da Rua Principal, os clássicos de antes da 2.ª Guerra.

Algum tempo antes, no Glória, havia visto Freud, de John Huston. Ali também assisti Blow-Up de Michalangelo Antonioni, o suficiente para descobrir qual o tipo de filme de que gostava.

Fui encontrar Ingmar Bergman tempos depois, no mesmo Cine Glória – ou foi no Scala? – na volta de minha temporada em Recife. Tratei de ver outros filmes dele, pesquisar o que havia de resenha, perguntar aos críticos que abundavam pelas rodas intelectualóides da cidade. Assim fui de Persona a todos os disponíveis nas telas brasileiras.

Mudei para o Rio de Janeiro para virar rato da Cinemateca Brasileira. Escarafunchei estantes de todas as livrarias, colecionei artigos de jornal. E fui assistindo tudo o que podia, até os filmes ruins do diretor.

A Suécia sempre me fascinou, desde que A Manchete Esportiva passou a mostrar a seleção brasileira que lá concentrava para a Copa do Mundo de 1958. Aos nove anos, passei dias conferindo no Atlas Melhoramentos que ganhei do velho Ernani Lopes as cidades em que eram realizados os jogos, viajando de uma sede a outra até a partida final. Meses depois, no Cine Palácio, em Joinville, o filme daquela Copa do Mundo foi o primeiro filme passado na Suécia que assisti.

Nessa época, Bergman já havia feito ótimos filmes, como Noites de Circo. Sorrisos de Uma Noite de Verão – mal traduzido no Brasil como Sorrisos de Uma Noite de Amor – seu primeiro sucesso no continente europeu, tinha sido bem recomendado em Cannes, em 1955.

E em Rasunda, bairro de Estocolmo no qual estava localizado o estádio onde o Brasil venceu a final da Copa do Mundo contra a Suécia, Bergman havia filmado, um ano e meio antes, muitas das cenas de O Sétimo Selo, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

A Suécia perdia a Copa do Mundo, mas Morangos Silvestres ganharia naquele ano o Urso de Ouro em Berlim.

Fui bergmaniano tempo suficiente para ver toda a sua obra disponível no Brasil. Abandonei.

  • Autor: Acadêmico Ernani Buchmann
  • Foto: Arquivo