Dizem que o homem é sobretudo um animal histórico, o que significa que é inata nele a curiosidade de sua origem. Assim, a busca das nossas origens está em nós e tem ocupado muitos dos historiadores e genealogistas do mundo todo que, com paciência e abnegação de beneditinos, vêm levantando a poeira dos arquivos e recuperando os registros perdidos, à cata dos fios soltos o dos elos partidos de nossas linhagens de família. Há trabalhos assim pelo mundo todo, e, entre nós, já se registra um bom número de esforços semelhantes, empenhados em restaurar a trama genealógica de muitas famílias tradicionais, a maior parte com raízes na Europa.

Ainda recentemente recebemos a publicação “The New World Book of Pintos”, Heirloom Book Offer, dos EUA, que se gaba de ser a única compilação internacional da família Pinto disponível no mundo atual. Trata-se de um amplo trabalho de pesquisa e reconstituição da linhagem dos Pinto, com a identificação e localização dos seus descendentes atuais, nos Estados Unidos, França, Canadá, Itália, Espanha, Suíça, Grã Bretanha, Holanda, divulgando o nome e o endereço de 24.000 dos seus integrantes, que ainda conservam a grafia Pinto, sem contar os que se multiplicam pelo mundo ostentando as variante conhecidas do sobrenome, como Pento, Panto, Pinte, Pinta e outros ainda mais distantes, só reconhecidos quando submetidos a um código criado pelo serviço de censo do governo americano (Soundex Coding System), que revela que, embora esses sobrenomes adotem formas diferentes, eles soam de maneira muito semelhante. Assim, por exemplo, Pinto está classificado como R530 e outros deles, como Penido, Pineda, Pinotti, Ponte, Penedo, Panayotou e outros (há registro de 212 deles), quando analisados com base no código receberam o mesmo número de classificação, presumindo o parentesco, mesmo remoto.

Há, porém, grave omissão no trabalho: a menor referência a Portugal e nenhuma ao Brasil e colônias portuguesas da África. A pesquisa se cinge aos Estados Unidos e parte da Europa, excluído Portugal, onde, na opinião dos linhadistas, está o principal veio dos Pinto. Pelo menos é o que consigna o Historical Research Center Inc., de MN, EUA, um data bank, que negocia diplomas onomásticos e brasões familiares de um acerco de cerca de 100.000 nomes.

Para o Book of Pintos, os primeiros membros da família que chegaram à América eram de nacionalidade espanhola e vieram logo após a descoberta. O significado do sobrenome parece associado à língua castelhana, representando “aquele que pinta e vende seu trabalho para viver”. Antenor Nascentes atribui ao apelido sentido metafórico ligado ao reino animal (pullus, em latim, deu certamente pulcino no italiano ou pollito em espanhol. Porém, o que predomina no nome Pinto é a ideia de cor (seja do rosto, cabelo ou olhos). É o homem pintado e pode ser o de pele escura, pois esse período corresponde ao da reconquista dos domínios árabes da península.

Em Portugal ainda prevalece a disputa entre quem seria o verdadeiro genearca da linhagem familiar dos Pinto. Uma das mais antigas e que remonta ao tempo de D. Afonso Henriques, o fundador da nacionalidade, época em que a nobreza e os ricos proprietários de terras passaram a adotar e transmitir seu patronímico aos filhos.

Hoje se admite que o sobrenome Pinto provém de Paio Soares Pinto, de tempos primevos e não de Garcia Mendes de Souza, o Pinto, como passou a ser chamado “por suas muitas perfeições & gentilezas”.

Certamente, o The New World Book of Pintos representa um importante cabedal para avaliar e identificar a estirpe dos Pinto. É evidente o esforço que isso exigiu, só possível com um grande trabalho conjunto e bem ordenado, com apoio da informática e a disposição de enfrentar uma massa imensa de documentos e informações de toda origem, a serem localizados e recuperados.

Atualmente já podemos saber que os Pinto são hoje cerca de 5.000 famílias nos Estados Unidos, localizados em quase todos os Estados, com maior concentração em Nova York (888 famílias), Califórnia (590) e Flórida (556). Na Itália essa população chega a quase 30.000, com números mais altos em Nápoles e Bari. Na França, nossos parentes passam de 13.000 e os centros maiores são Paris e Yveline.

Enfim são mais de 6.500 na Espanha e 3.500 no Canadá. Mais de 2.000 na Suíça e de 2.000 na Inglaterra. Porém, vale repetir que a publicação é incompleta, porque esquece o manancial mais rico e autêntico do Brasil, para não falar em Portugal, berço onomástico da família. Ora, os primeiros Pinto da América do Norte eram espanhóis, certamente meros viajantes, comerciantes e aventureiros, pois a colonização do país só teve início 60 ou 70 anos depois. No Brasil foi diferente. Martim Afonso de Souza veio em 1530 para fundar uma colônia de povoamento e sabemos que veio acompanhado de alguns fidalgos de sobrenome Pinto, como Francisco Pinto, Antonio Pinto, este cavaleiro professo da Ordem de Cristo, a quem estava reservado um papel muito importante na consolidação da nova colônia. Além desses anotamos ainda a presença na armada do bombardeiro Aleixo Pinto, que foi de volta a Portugal para ajudar a conduzir uma nau francesa apresada nas costas de Pernambuco.

Assim, como se vê, a família Pinto está ligada às terras do Brasil, desde sua origem e das primeiras iniciativas de sua ocupação e colonização. Milhares de outros viriam depois, ligando esse velho tronco familiar português aos destinos deste país. Quantos fomos e somos, porém, ninguém sabe. O Book of Pintos não diz. Mas talvez esta omissão possa servir para que um dia, talvez não muito longe, passemos a nos procurar com a mesma dedicação e devoção dos nossos irmãos estrangeiros, pela nossa herança familiar comum. Quem sabe… pois não somos todos animais históricos?

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo
  • Imagem: DarkWorkX por Pixabay