A Lava Jato constitui um conjunto de investigações de agentes da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público Federal, de combate à corrupção de agentes públicos, sonegação fiscal, contrabando e lavagem de dinheiro e outros crimes tão ou mais graves, que acabou se convertendo no combate aos maiores escândalos da história do país. Resultou de uma diligência rotineira de busca e apreensão de lavagem de dinheiro, realizada em agosto de 2014, num posto de gasolina de Brasília, envolvendo o deputado paranaense José Janene. O episódio ganhou, porém, tamanha proporção que se transformou num escândalo nacional, provocando 130 denúncias contra 533 acusados, que produziram 278 condenações e 295 prisões (um ex-presidente, ex-ministros, ex-governadores, um ex-presidente do Congresso Nacional), além de políticos, executivos, lobistas e empresários.

Apesar do lavajatismo contar com apoio popular, mas ao mesmo tempo sofrer forte crítica e resistência de seus acusados e beneficiários, acabou trazendo resultados concretos, oriundos da soma de 200 acordos de colaboração e leniência, mediante os quais o Brasil logrou recuperar mais de R$ 4,3 bilhões.

O Posto da Torre, dos arredores de Brasília, tinha também uma lavanderia e uma casa de câmbio, que serviram de fio condutor para a ação da força-tarefa de Curitiba, por um grupo de procuradores federais, à frente dos quais, se destacaram dois paranaenses, de raiz e formação local, sejam Deltan Dallagnol, seu coordenador, e outro agente, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, também coestaduano. A Lava Jato foi “inspirada” e estava ligada a um juiz de Primeira Instância, Sérgio Moro, também paranaense, de Maringá, norte do estado.

Deltran é nascido em Pato Branco, no sudoeste do estado, filho do procurador aposentado Agenor Dallagnol, de presença respeitável no quadro institucional do Ministério Público do Estado, exemplo de uma vida devotada ao papel constitucional e social da instituição. Foi por mais de dezesseis anos promotor de Pato Branco e ganhou tal prestígio e confiança do povo e autoridades, que (só de exemplo…), se gabava de que só numa única vez os jurados absolveram o réu no júri, contrariando seu pedido de condenação. E era uma região, a esse tempo, de alto índice de criminalidade. Ele conta também que costumava visitar habitualmente as comunidades locais, convivendo com as pessoas, fazendo palestras e acomodando seus interesses e os da ordem pública.

Assim, Deltan não nasceu fora do ninho e recebeu educação esmerada, formado em Direito em Curitiba, na UFPR (2002), mestrado na Universidade de Harvard (2014), com ingresso no Ministério Público Federal aprovado em 1.º lugar, antes mesmo de completar o interregno legal entre a formatura e o concurso. Consta, também, que foi aprovado em 2.º lugar em concurso da magistratura estadual.

Acima de tudo, porém, foi não só o coordenador da Lava Jato, mas sua maior presença e particular destaque, por conta de uma atuação marcada pela firmeza e segurança do seu desempenho, qualidades que fez merecer diversos prêmios internacionais, com o Global Investigations Review (2015); República – hors concours, (2016); Ajufe (2016), Innovare e da própria Justiça Brasileira.

Por outro lado, o Paraná, além do Juiz Sérgio Moro, que acabou Ministro e que depois, por insistir em cumprir rigorosamente seus deveres, segundo ele, foi afastado pelo presidente Bolsonaro, se destaca também pela presença de um outro de seus filhos, de autêntica linhagem paranaense, Carlos Fernando dos Santos Lima, pioneiro da Lava Jato. Formou-se em Direto pela Faculdade de Curitiba (1980) e é Master of Laws, pela Cornell Law School. Ingressou no Ministério Público Federal em 1995, lotado na 3.ª Região de São Paulo. Foi decano, mas atualmente é aposentado, advogado e palestrante, com atuação na área de compliance.

É filho de Oswaldo dos Santos Lima, promotor de justiça de atuação permanente no MP estadual, titular por longos anos da promotoria de Apucarana, de onde se fez eleger deputado estadual, ocasião em que, embora cumprisse um mandato de curta duração, fez dotá-lo da maior atuação política e até social.  Tinha postura de líder e era homem de formar opinião e intervir, mas sempre com resguardo de sua dignidade pessoal.

Fazia do gabinete do fórum seu posto permanente de vigilância e atuação na vida política e social da cidade. Apesar disso, porém, no convívio dos amigos era simplesmente o Santico, companheiro dos longos papos, entretidos nos joguinhos de dominó, dos quais participei também, nos fins das tardes e num dos bares da cidade.

Porém, com o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, a Lava Jato passou a ser ameaçada, embora conservando o mesmo modelo de combate à corrupção. Atualmente, Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância jurídica do país, declara: “Se a Lava Jato for anulada, o Judiciário terá de contratar um contador para devolver dinheiro para os corruptos e corruptores”. Segundo justificam, no modelo que foi adotado no lugar das forças-tarefas – montadas com procuradores de comarcas diferentes, o papel delas passa a ser assumido por núcleos fixos e regionais, com o nome de Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos). Consta que o modelo ainda é o da resolução do Conselho Nacional do MPF de 2013, com a redistribuição dos seus membros, sem que sejam sediados em Curitiba, nem contem com dedicação exclusiva. Na afirmação do próprio Aras, porém, o formato deles é ainda tido como precário, reclama muitos recursos e é menos institucional.

Parte dessas novidades é levada à conta de uma tentativa de aproximação entre Aras e Bolsonaro, de que existem auspícios velados, como o da pretensão de Aras de ocupar a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, prevista para o próximo semestre.

De qualquer modo, porém, a Lava Jato de Curitiba sai de cena. Moro já foi afastado do Ministério. Deltan Dallagnol deixa a coordenadoria e passa a cuidar da saúde de sua filha. Seu colega Alessandro José de Oliveira assume a chefia que lhe é atribuída pelo modelo novo. Carlos Fernando é hoje advogado particular e consultor em compliance em Curitiba.

Entretanto, todos têm o justo orgulho de deixar ao país um admirável legado de combate à corrupção e, mais do que isso, a consciência de que ela é erva ruim, de difícil expurgo e mesmo inerente a muitos países iguais ao nosso.

Mas, a despeito de todas as contrariedades, penso acreditar que outras tantas forças-tarefa hão de se seguir, não só para vencer a corrupção que aí está e se espalha, mas para construir um país capaz de vencê-la sempre, por omissão, creditada à consciência do povo e, sobretudo, a seus homens públicos.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor