Aos quatorze dias do mês de agosto de dois mil e dezenove, no 2.º andar das instalações do Senac, à rua André de Barros, 750, realizou-se a reunião ordinária da Academia Paranaense de Letras, sob a presidência do acadêmico Ernani Buchmann, estando presentes os seguintes acadêmicos: Dante Mendonça, René Ariel Dotti, Ario Taborda Dergint, Rui Cavallin Pinto, Guido Viaro, Adélia Maria Woellner, Clemente Juliatto, Laurentino Gomes, Albino Freire, Etel Frota, Chloris Casagrande Justen, Marta Morais da Costa, Nilson Monteiro, Ricardo Pasquini. Justificadas as ausências dos acadêmicos Cecília Vieira Helm, Eduardo Rocha Virmond e Darci Piana. O Presidente abriu a sessão agradecendo da presença de todos e apresentando os convidados da reunião: Adriano Esturilho, Presidente da Conselho Municipal de Cultura, os representantes do Sesc Paraná e o compositor Beto Capeletto e sua esposa. De imediato passou a palavra ao acadêmico Laurentino Gomes que saudou como “nosso acadêmico mais globetrotter” e “o mais bem sucedido autor de textos históricos do país”. Acrescentou que o acadêmico Laurentino Gomes é elogiado pela academia, por jornalistas e pelo público e tem uma carreira jornalística e literária primorosas. Ao iniciar sua fala, o acadêmico Laurentino Gomes agradeceu as palavras do Presidente e disse que, longe de ser unanimidade, tem muitos desafetos. E anunciou o lançamento do primeiro volume da trilogia sobre a escravidão, citando outros autores paranaenses que escreveram obras relevantes e em série, como Rocha Pombo (os dez volumes sobre a História do Brasil) e Wilson Martins (História da inteligência brasileira em sete volumes). Acrescentou que esta será a primeira apresentação do livro que tem o título de “Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares” e se divide em 30 capítulos. Foram seis anos de pesquisa para chegar à constatação de que as raízes da escravidão têm muito do DNA do que somos hoje, não apenas nas características genéticas, mas na grande concentração de desigualdade, no ambiente de promiscuidade público-privada e na troca de favores. O Brasil foi, sem dúvida, o maior território escravista das Américas, o mais resistente e o último a evoluir. Todos nossos ciclos econômicos tiveram como base a escravidão. Américo Vespúcio levou à Lisboa o pau-brasil, papagaios e índios. Os índios foram os primeiros escravos: um milhão de indígenas a cada 100 anos morreram por gripe, sarampo, varíola, um verdadeiro genocídio. Já a África tinha um mercado bem organizado de tráfico. Por volta do século XVI foram 12 milhões e meio de cativos. Deles, um milhão e oitocentos mil morreram na travessia do oceano Atlântico. Quatorze cadáveres de escravos eram jogados ao mar por dia até a assinatura da Lei Áurea em 1888. Cardumes de tubarões seguiam o trajeto dos navios negreiros. Discorreu sobre o projeto total da obra e declarou-se não um historiador, mas um jornalista que “põe o pé na estrada”. Esteve na Serra da Barriga entre mães de santo e praticantes de candomblé, participou da homenagem a Zumbi dos Palmares, praticada nas árvores da região. Mas constatou que lá já existem 20 famílias evangélicas. No momento está na batalha para divulgação da obra, tendo gravado 70 vídeos de um minuto, apresentando locais e fatos relativos à escravidão. Constatou que o prestígio do livro impresso está em baixa e por isso serve-se da tecnologia digital para divulgá-lo. Fez workshops para os livreiros saberem do que trata o livro. Ao final de sua exposição, foi efusivamente aplaudido, pela qualidade da exposição e pela relevância da obra. A primeira pergunta foi sobre a possível relação entre o momento final da escravatura e a preservação da Amazônia. O acadêmico Laurentino Gomes informou que o primeiro movimento popular de rua foi o movimento abolicionista, que nasceu de movimentos religiosos quakers. O Brasil era à época um pária internacional e sofreu pressões internacionais, como na atualidade. No entanto, o abolicionismo era mais focado. O acadêmico Guido Viaro cumprimentou o palestrante pela excelente fala. E indagou se a atual invasão da Europa por africanos caracterizaria uma nova escravidão. Laurentino Gomes informou que, hoje, o tráfico de pessoas é duas vezes superior à situação análoga à da escravidão. A acadêmica Etel Frota informou que, quando estava escrevendo “O herói provisório”, observou que a história da escravidão no Paraná foi minimizada. Cerca de 47% dos habitantes em 1840 era de negros ou pardos e se perguntou até que ponto o episódio do Cormorant (um dos fatos decisivos para a Lei Euzébio de Queiroz) contribuiu para a Lei Áurea. O acadêmico Laurentino Gomes complementou dizendo que no Paraná a escravidão ficou ao largo da mineração, das charqueadas, das lavouras de cana. Houve debates para criar uma colônia na África e devolver para lá os escravos. No Paraná, os imigrantes europeus provocaram uma mudança demográfica. E quando havia referência à escravidão, ela era tratada como “boazinha”, patriarcal, benévola, assim o fizeram Gilberto Freyre e Joaquim Nabuco, acentuando certa saudade da escravidão. O acadêmico Renê Dotti declarou que Laurentino Gomes é um escritor profissional raro: menciona suas fontes e prova a existência delas. Lembrou que uma das penas no período Império era o degredo na África e perguntou se, em alguma parte do livro, o escritor trata desses episódios. O acadêmico Laurentino Gomes respondeu que sim, em especial da relação próxima entre Brasil e África, que Alberto Costa e Silva tão bem retratou no livro “Um rio chamado Atlântico”; referiu-se ao episódio da revolta dos Malês, em que muitos escravos foram degredados para a África. Há bairros brasileiros lá com descendentes desses escravos. Outros líderes de rebeliões no Brasil foram deportados e se tornaram grandes traficantes de escravos, como os Souzas, que estão espalhados pela África, em especial no Benim. O acadêmico Rui Cavallin Pinto afirmou que a escravidão é um desafio e o livro traz a exaltação e o espírito crítico, necessários ao assunto, perguntando qual foi a contribuição ideológica do negro, se há mesclas do tipo, se a cordialidade e o sorriso negro foram resistência ou passividade. O acadêmico Laurentino Gomes afirmou que não há como se manter neutro sobre a questão negra. Três posições sobressaem: a democracia racial, a escravidão branda e a militância guerreira, como em Zumbi. A principal forma de resistência foi a acomodação e a colaboração. As Irmandades fizeram a África brasileira. Concluiu dizendo “não defendo, nem condeno; eu ilumino aspectos do assunto.” O acadêmico Renê Dotti afirmou que esta palestra é histórica e que deveriam ser suspensos os outros assuntos da pauta para continuar a discussão. O Presidente Ernani Buchmann resolveu acelerar os demais assuntos e deixar mais tempo para o diálogo entre os acadêmicos a respeito da escravidão. Para tanto, convidou Georgiana França para apresentar a Semana Literária de setembro. Ela agradeceu em nome do Sesc a oportunidade de reforçar as ações a serem desenvolvidas na Semana Literária , pediu às outras coordenadoras, Denise e Celise, que distribuíssem entre os acadêmicos um documento impresso com as informações necessárias, salientando que o tema será “Vozes para recriar o mundo” e que haverá lançamentos de obras e oficinas, com a participação de editoras universitárias. O Presidente agradeceu a presença e consultou Adriano Esturilho se haveria possibilidade de ele retornar na reunião de outubro, antes de designar a acadêmica Marta Morais da Costa para representar a Academia junto ao Conselho Municipal de Cultura. A indicação foi aprovada por aclamação. Também foi designada a acadêmica Chloris Casagrande Justen para representar a Academia Paranaense de Letras na Semana de Cultura da Academia de Cultura de Curitiba. O Presidente informou a respeito do lançamento no dia 16 próximo de mais um volume sobre “Memórias do Paraná” com a presença de vários acadêmicos. Informou que o Observatório da Cultura Paranaense será formado por 14 entidades, que já estiveram presentes à primeira reunião e que estão elaborando o estatuto da entidade. Também informou sobre o andamento das obras do Belvedere e a previsão da inauguração dentro das cerimônias do 19 de dezembro, data magna do Paraná. O Presidente cumprimentou a acadêmica Lucrécia Welter Ribeiro, da Academia de Letras de Toledo, pela organização da reunião das Academias de Letras do estado. Informou também que a APL está apoiando o projeto de Lei que cria a Data Magna do Paraná em 29 de agosto, quando foi assinado o decreto de criação do Estado pelo Imperador D. Pedro II. Os acadêmicos retomaram o diálogo sobre a escravidão. O Presidente Ernani Buchmann referiu-se à estrada Antonina-Guaraqueçaba, que integra a BR 101, e hoje está esquecida. Não se permite o asfaltamento da referida estrada porque entidades ambientalistas compraram terras na região e não permitem alterações, esquecendo a existência de uma comunidade humana em Guaraqueçaba, em especial os quilombolas de Batuva. Narrou sua viagem ao local, contando que é necessário cruzar a pé cinco quilômetros para chegar à divisa com São Paulo e poder atingir Cananeia. A rota é marcada pela linha do telégrafo, que é do século XIX! Concluiu, afirmando: “tivemos escravatura, sim.”. O acadêmico Ricardo Pasquini elogiou o trabalho do acadêmico Laurentino Gomes pela busca da verdade, citando Leonardo da Vinci: “O amor pelas coisas aumenta quando se tem conhecimento delas.” Tratou do impasse social causado pelas diferentes cores de pele das pessoas e perguntou o que o autor gostaria que acontecesse com o livro agora lançado. O acadêmico Laurentino Gomes respondeu que o livro deveria servir para entendermos o Brasil e preparar o futuro. Disse que visitou uma comunidade na Paraíba, onde as crianças se escondem quando um estranho se aproxima, onde os casamentos são endogâmicos, e há vários adolescentes e crianças com deficiência mental. Disse ainda que há 2.900 quilombos no Brasil e a área que ocupam, somada, é inferior a de uma grande fazenda do agronegócio. Segundo ele, há necessidade de políticas compensatórias. A pobreza se reproduz culturalmente e essas políticas devem ser vistas não como recompensa histórica, mas como formação de futuro. O acadêmico Ricardo Pasquini indagou: “temos que dar oportunidade ou temos que esperar que evoluamos para essa igualdade?”. O acadêmico Laurentino Gomes disse que o Brasil deveria enfrentar esse problema com a maior urgência, pois não temos tempo para ficar esperando porque os adiamentos comprometem o futuro. O acadêmico Nilson Monteiro confessou sua surpresa ao saber que 47% da população do Paraná no século XIX eram de negros e pardos. O acadêmico Laurentino Gomes disse que, só no século XIX, havia um milhão e meio de escravos ilegais. No Paraná, a população ainda era pequena, não havia população significativa no Norte do estado e havia uma política de branqueamento. A acadêmica Etel Frota perguntou se o escritor estava preparado para as críticas que deveriam vir dos dois lados a respeito da escravidão. O acadêmico respondeu que os bolsonaristas queriam pautar seu trabalho, que os negros afirmavam que não iriam ler porque era um branco contando a história deles. Segundo Laurentino Gomes, a associação escravidão-negro é racista, porque nem sempre a escravidão teve a ver com a África. Havia escravos na China, na Europa, no Japão… As palavras “escravo” e “escravidão” vêm de “slave”, escravo em inglês, por sua vez derivada de eslavo, povo branco de olhos azuis escravizado na Roma Antiga. Em 1150, a catedral de Santiago de Compostela foi construída por escravos brancos e mouros. Há três modos de olhar a questão da escravidão, segundo a embaixadora Irene Gala: o olhar branco, o olhar negro e o olhar atento. ”O fato de ser herdeiro de italianos me condiciona a nunca ter um olhar negro”, concluiu. Terminou dizendo que a palavra atribuída às pessoas em estado de servidão deveria ser “escravizado” e não “escravo”, de vez que escravizado não existe como adjetivo, apenas como particípio passado de uma ação e portanto deveríamos falar de ”escravização e não de escravidão”. O Presidente Ernani Buchmann encerrou o diálogo afirmando que o acadêmico Laurentino Gomes é um orgulho para a Academia Paranaense de Letras, uma “patrimônio intangível”. Por último, o Presidente se referiu à sessão comemorativa dos 20 anos de fundação da Academia Paranaense de Letras Jurídicas no mês de novembro próximo em que será realizada a palestra sobre Jorge Luis Borges, tendo sido indicado como representante da APL o acadêmico Paulo Venturelli. Na reunião ordinária do mês de setembro está programada a palestra do escritor e filólogo Deonísio da Silva e a apresentação do projeto itinerante de Adélia Woellner. Agradeceu a doação do jornal “Nicolau” pela acadêmica Etel Frota e, nada mais havendo a tratar, o Presidente encerrou a reunião, da qual eu, secretária, lavrei a presente ata que irá assinada pelo Presidente e por mim.
Curitiba, 14 de agosto de 2019
Ernani Buchmann Marta Morais da Costa
Presidente Secretária
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