Mudar a linguagem não muda a sociedade

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Escritor, tradutor, professor e doutor em linguística pela Universidade de São Paulo (USP), o curitibano Caetano Galindo falou sobre “linguagem neutra” na mais recente reunião da Academia Paranaense de Letras, no último dia 4.

Para ele, professor de história da língua portuguesa na Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 1998 e autor do livro “Latim em Pó”, entre outros, a chamada linguagem neutra é “um problema menor do que parece ser”.

Depois de considerações sobre a história da humanidade, Galindo frisou que “mudar a linguagem não muda a sociedade. A linguagem neutra não é objeto de política. É para marcar uma posição. Cada falante é uma cápsula do tempo, há mudanças na linha do tempo. A linguagem é um organismo vivo. Como é difícil olhar para trás dando um passo atrás. Existem punições autoritárias em todos os espectros políticos a respeito das mudanças, mas a linguagem sempre vai ganhar a batalha”.

O linguista afirmou que “a escrita é um fenômeno minoritário. Há seis mil idiomas no planeta e uma fração pequena desse universo tem acesso a escrita padronizada, com a qual institui-se uma hierarquia social muito mais exclusiva. Quem determina o que deve ser?”

Segundo ele, “a escola é um fator de elite. O idioma é composto pelas estruturas sociais”. E enfatizou que “não há grupo humano sem linguagem”.

Acrescentou que “no Brasil ninguém fala igual em suas diferentes regiões, no Paraná ninguém fala igual em suas regiões diferentes. Como considerar que uma língua é correta e as outras não? Entre os jovens esse modelo de sociedade aparentemente está em crise. Na linguagem também. A linguagem do whats é muito nova e quase ‘universal’ na história da humanidade. Pela primeira vez está sendo usada para conhecimento imediato, quase como o ‘face a face’. A estrutura vertical parece estar sendo destruída pela base”.

E questionou: “Qual a questão que está em jogo com o gênero neutro? Não existe relação causal entre a forma de expressão morfológica e a sociedade. Mudar a linguagem não muda a sociedade. É um erro achar que mudar o mapa muda o terreno. A não percepção é que a maioria dos usuários da linguagem neutra não acha que essa linguagem vai mudar a sociedade. O segundo erro é de gente que está contra essa discussão. Eu nunca vi uma única vez a proposta de obrigatoriedade da linguagem neutra. Isso é um espantalho teórico. Não é objeto de luta política nesse momento, é um factóide. O que está em jogo é uma bandeira. É com ela que eu quero marcar uma posição, mostrar que meu grupo existe, registrar que meu grupo está disputando espaço, que tem suas regras de pertencimento e acolhimento. Não é um fantasma tão grande. Não se trata de um movimento de subversão contra quem pensa diferente. O que está em jogo hoje é uma questão de ordem política, social. Por que ele terá usado a palavra todes? É uma discussão de hierarquia de poder debatendo o uso de uma morfologia alternativa para expressão de gênero? Quem ameaça quem nessa história?”

Galindo define: “Isso é completamente louco. Nunca antes uma questão foi discutida tão acaloradamente, com tanta intensidade e com tanto interesse por tantos usuários do idioma. Acho sensacional que a sociedade brasileira, em 2023, demonstre um grau de maturidade suficiente para discutir a morfologia do adjetivo como forma de exclusão social ou de pertencimento social”.

Para ele, “o que se pode dizer é que a gente saiu da casa dos pais, está morando sozinho e tem que discutir as regras da República – quem faz o que e de que forma? Não havíamos feito isso até hoje. Estávamos muito confortáveis em discutir as regras gramaticais, em ser tributário das discussões gramaticais, linguísticas da Europa. Agora não. A gente está discutindo sobre o gênero neutro. Estamos contra a uniformização, as pessoas podem falar diferente, aceitamos isso”.

O palestrante advertiu que “essa história, porém, traz responsabilidade. Não existe instituição paternal que nos diga o que está certo e o que está errado. Nem a Academia Brasileira de Letras, nem o MEC tem autoridade sobre isso. Os mecanismos de gramatização e de estabelecimento de formas de linguagem estão permanentemente correndo atrás da sociedade. São formas que vão se tornando regras. A sociedade muda e as leis mudam atrás. A gramática ainda porque é mais indefinida. Ninguém tem um código civil da gramática.”

Segundo Galindo, quem tem esse código “é o coletivo, disparatado de 220 milhões de pessoas que se movem de maneira imprevisível e que invariavelmente vão ganhar a batalha. O que vai acontecer com a linguagem neutra ou quanto a escrita ou quanto a aceitação da variabilidade daqui a 20 ou 200 anos ninguém sabe. A única coisa que se sabe é que quem vai decidir é a maioria dos usuários. Acho isso fundamentalmente bom”, encerrou.

Na mesma reunião, a presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB/PR), Marilena Winter, assim como a presidente da Comissão de Assuntos Culturais, Okasana Meister, apresentaram a ideia de se elaborar um projeto conjunto para a valorização da cultura do estado. A proposta foi bem aceita pelo presidente da Academia Paranaense de Letras, Paulo Vitola, e detalhes devem ser delineados, brevemente, em conjunto para o desenvolvimento do projeto.

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