Em 2015 lançamos o livro “Terra de todos História de poucos”, uma brochura de 260 páginas, editada pela Vitória Gráfica & Editora, contendo cerca de 50 crônicas, com a construção da nossa própria história, seus protagonistas e o empenho particular na nossa própria identidade regional.

Porém, diante do título da capa, aparentemente incisivo, já no prefácio da obra nos adiantamos a assegurar que seu propósito não era de confessar qualquer desencanto da nossa condição ou convívio histórico ou mesmo de nos propormos a oferecer qualquer proposta de resistência ou desafio, diante de uma imagem que não é só dos outros, mas nossa também, de um alegado arredio social ou mesmo de uma recusa de assumir papeis de liderança. Na verdade, nunca tivemos entre nós caudilhos ou líderes carismáticos.  Pelo Tordesilhas nosso território seria quase todo espanhol e, pelo censos do século XIX, o Paraná era, até então, uma das províncias mais pobres e de menor população do Império, habitada ainda por grupos indígenas dispersos por todo o espaço, em tribos ou aldeados nas reduções jesuíticas espanholas. Foi com o fim da união ibérica e a restauração de Portugal, que se fomentou a conquista do Sul. Curitiba assentada no plateau violava o meridiano, mas passou a dar sustentação para as conquistas das bandeiras e dos predadores dos índios das reduções, levados para o cativeiro das lavouras fluminenses e para reforçar a expansão para o Prata.

Para os paulistas servimos de “estado-tampão”, e seu presidente, o Barão de Monte Alegre, prometeu nos conceder a elevação de província (incluindo Cananéia e Iguape) a troco de nos conservarmos neutros durante a Guerra Farroupilha. O presidente cumpriu o prometido, mas o projeto levou dez anos para vencer a resistência da bancada paulista, e só logrou obter aprovação com a criação da província do Amazonas, anos depois.

Voltamos à condição de estado-tampão em 1894, ao contermos o avanço federalista, com o sacrifício da cidade da Lapa, para que Floriano Peixoto pudesse armar a reação legalista.

Ainda, por largo tempo, seguimos servindo de região de trânsito, para as idas e vindas, do sul e norte, da marcha de tropa e comércio do gado trazido da região missioneira.

O caminho de leste a oeste, na direção dos contrafortes dos Andes e das minas de Potosí, foi aberto por Aleixo Garcia e Cabeza de Vaca, em favor de Castela.

Numa outra visão ainda, não houve entre os nossos vizinhos, nacionais ou estrangeiros, quem não nutrisse cobiça por nossas terras.

Já, na origem fomos desfalcados com a supressão do litoral paulista. A Argentina reclamou o domínio de 30 mil km2 do nosso Sudoeste e houve até bufos de guerra e a falsificação de telegramas, atribuídas a Estanislau Zeballos, ministro do nosso vizinho.

O território até chegou a ser cedido pelo Tratado de Montevideo, assinado por Quintino Bocaiuva, nosso ministro do exterior, mas o acordo foi recusado, e as missões recuperadas por Rio Branco, em alegato que convenceu o árbitro americano e recebeu louvores até do próprio vencido.

Em 1910, o Supremo Tribunal Federal deu ganho final a Santa Catarina, estabelecendo como divisas naturais do Paraná ao Sul, os rios Iguaçu e Negro. Com isso suprimiu 48 mil km2 do nosso território, que, com intenção direta do governo federal, o Paraná ainda logrou reaver 20 mil, pelo menos, por acordo de partilha.

Nosso Estado ficou ainda menor em 1943, com a criação do Território do Iguaçu, por Getúlio Vargas, subtraindo 51.452 km2 do nosso espaço, de que só vamos recuperar com a emenda supressiva apresentada por Munhoz da Rocha e convertida no artigo 8.º, do ADCT, da Constituição de 1946.

A imprensa nacional confirmou o confisco, a pretexto do desenvolvimento e da defesa do nosso território, quando o local nem via nele qualquer prejuízo, atual ou até remoto.

O interventor Manoel Ribas e seu secretariado louvaram o governo.

Houve protestos, é verdade, mas pontuais, como o de João de Oliveira Franco que renunciou seu cargo de secretário da fazenda. Munhoz da Rocha, porém, se elegeu deputado federal da Constituinte de 1946, com o compromisso de reintegrar o Iguaçu a nosso território. E foi quem a promoveu, através da emenda constitucional n. 325, com 119 subscrições. Mas por ela lutou sozinho. A bancada paranaense de 12 deputados só contou com a presença de quadro deles na tribuna. De Santa Catarina, só dois assinaram a emenda supressora e só um deles contribuiu com um único aparte no plenário. Seu ex-interventor e então líder do governo, Nereu Ramos, não assinou nem assumiu sua defesa. Da representação do Mato Grosso ninguém subscreveu ou participou do debate parlamentar. Por fim, em 18 de setembro de 1946, o extinto Território do Iguaçu voltou a integrar as terras paranaenses.

Mas, nem por isso o Paraná ficou à margem de ver seu território exposto à correção dos “erros de simetria” de Tavares Bastos, cujas deformações têm origem histórica nas capitanias e, desde então, vem impedindo de alcançarmos uma relativa equivalência geopolítica e uma desejada equipolência política comum.

Veja-se o que ocorre com a energia, pois embora produzamos 25% da energia hidrelétrica do país, o ICMS só é cobrado no local do consumo, enquanto que os royalties do petróleo marítimo contemplam proporcionalmente os estados de maior mar territorial. Igual trato injusto prevalece também na partilha do pré-sal, quando, feitas e desfeitas as linhas de marcação do nosso mar territorial, o nosso ficou reduzido a um único poço, o do Campo das Caravelas, reivindicado também por Santa Catarina.

Na verdade, já perdemos nossos historiadores mais celebrados e o legado que deixaram envelhece. Nossos melhores registros remontam há mais de 50 anos e os últimos são do século passado. É muito tempo para que a história se conserve viva e fiel, pois, com o tempo, até sua memória se apaga e alguém já disse que se a história existe é porque tem alguém que se dispõe a contá-la.

Enfim, arrematando, é hora de nos reconciliarmos com a nossa história é fazê-la retomar o caminho que interrompeu, para evitar que fiquemos à reboque, sem saber quem somos e arriscar perdermos mais um pedaço do que já fomos e, com isso, nosso próprio destino.

Tamen, qui sumus? Esta a inquietação que ainda anima tantos de nós…

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo pessoal
  • Imagem: cedida pelo autor