Conta a mais difundida das nossas lendas que o curitibano, além de ser um bicho arredio, não gosta de receber ninguém em casa. Se por acaso convida, não dá o endereço. E se convidado, marca a visita com antecedência mínima de três dias. Se for urgente, dois dias. Em contrapartida, não se preocupe: nunca, jamais, ele vai lhe tirar do sofá no domingo à tarde, no início de uma partida de futebol. Para visitar alguém, mesmo um amigo do peito, a regra é curitibaníssima: “Telefone antes!”.
É por essas e outras lições curitibanas que os adventícios devem aprender de uma vez por todas: Curitiba não visita, recebe! Exemplo disso se passou em meados do século passado, quando a cidade recebeu com fogos e festas três dos maiores astros da época: Cauby Peixoto, Ivon Curi e Carlos Galhardo. Ao fim do espetáculo, os anfitriões foram convidados para jantar no bar e restaurante Cinelândia (rua Ermelino de Leão, embaixo do Edifício Tijucas), onde os cantores do rádio se sentiram como se estivessem na própria casa. Inclusive na própria cozinha.
Depois de trocar receitas à mesa, na segunda batida de limão as visitas não se fizeram de rogadas e invadiram a cozinha: Carlos Galhardo fez espetinhos de tartaruga, Ivon Curi preparou um estranhíssimo jacaré ao vinho tinto e o Cauby Peixoto, mais delicado, montou uma salada mista. Foi uma festa! No final da noite, Ivon Curi se despediu com um beijo na bochecha do Ligeirinho: “A gente não imaginava ser tão bem recebido em Curitiba. Nos sentimos em casa!”.
Fundado em 1955 por Ronald Abrão (o Ligeirinho) e Vitor Luís dos Santos, o Cinelândia podia ser comparado a um zoológico da gula. Dos bichos terrestres e alados serviam paca, tatu, cutia, jacaré, lagarto, porquinho da índia, jacutinga, gambá, tamanduá, tateto, codorna, perdiz, pombo, quati, rã e testículos de touro. Do mar e dos rios chegavam fresquinhos camarões pistolas, caranguejos, ostras, mariscos, lulas, polvos, siris com suas casquinhas, robalos, tartaruga, lambari, cascudo, pintado, surubi, dourado e soberbas ovas de tainha.
O Cinelândia só não ganhava em sofisticação do restaurante do Grande Hotel Moderno, o primeiro a oferecer uma mesa central com frios (chamada de “hors-d’oeuvre”) e, como se fosse pouco, a família Johnscher não media custos para atender os mínimos desejos dos clientes. Em junho de 1949, ao hospedar a grande orquestra do maestro Xavier Cugat, o Grande Hotel Moderno não mediu esforços nem distâncias para bem servir ao Rei do Mambo. Ao saber que Xavier Cugat tinha especial preferência por lagostas, o hoteleiro Francisco Johnscher encomendou algumas dúzias, enviadas de Pernambuco pelas asas da Panair. Ao se despedir de Curitiba, Xavier Cugat deixou escrito: “Yo me sentí como en casa!”.
Outra celebridade a ser recebida em Curitiba como se estivesse em casa foi o intelectual e escritor Antônio Houaiss. Da Livraria Ghignone, acabou na cozinha de um restaurante. Ao aceitar o desafio de Jamil Snege e outros amigos escritores, o autor do livro “Magia da cozinha brasileira” largou o paletó na cadeira e assumiu o fogão da casa. Grande cozinheiro, Houaiss preparou um prato de sua lavra a todos que foram ao restaurante. E não foram poucos a brindar o visitante.
Não é de hoje que um dos maiores prazeres do curitibano é levar o visitante para jantar fora. Em Curitiba o restaurante é uma extensão da casa.