A procura de nossa imagem foi sempre um desafio criado ou imposto a muitos de nós paranaenses, principalmente depois que o jovem contemporâneo Pinheiro Machado, então um mero estudante do último ano do curso de Direito, no Rio de Janeiro, cometeu a injúria de dizer, num artigo da revista católica “A Ordem”, que o Paraná era um estado sem relevo humano, sem identidade própria, incaracterístico, ao contrário do gaúcho, do paulista e do baiano e outros irmãos nossos que sempre ocuparam uma presença maior na vida nacional.

Depois dele, ainda veio um pernambucano, Fernando Pessoa Ferreira, que traindo a generosa hospitalidade paranaense calcou em cima que Coritiba (com “O”) é um exílio, habitado por uma tribo estranha que se alimenta de pinhões e cuja maior atração turística é o inverno, que começa em janeiro e termina em dezembro. E no resto do ano chove.

Também José Batochio, ex-advogado do então presidente Lula, esteve aqui e largou insulto igual ao Paraná, de que não passava de uma terra agrícola e o curitibano um roceiro.

Entretanto, não é só a gente de fora que tripudia sobre o Paraná, nem que o descrédito que merecemos seja uma desfeita de ocasião ou um mau juízo que depois a gente corrige. A injúria já é de casa mesmo; é argumento construído aqui. Assim, para David Carneiro paranaense é um “biriva” que, por incúria ou tolerância, entrega os cargos mais importantes da administração do governo e do Estado a adventícios de todas as procedências, em desmerecimento dos seus próprios filhos.

Para Temístocles Linhares, por sua vez, o paranaense é, na verdade, um telúrico, que embora conte com todo o vigor de sua terra, só se ocupa de tarefas obscuras, e ainda, para Wilson Martins, ele não passa de um autêntico burguês, amante da ordem e da vida bem regrada. Por fim, para Renato Follador, embora tenhamos construído modelos nos setores do urbanismo, agricultura e energia, contando inclusive com a maior hidrelétrica do mundo e a maior empresa de hardwares, somos, na verdade, medíocres de espírito, frios, blasés e gente sem efusão ou manifestações calorosas.

Não se tem notícia de que nosso Estado merecesse melhor defesa do que a que ofereceu Bento Munhoz da Rocha que, em seguida saiu de punho em riste e alçou o vigor de sua voz contra coestaduanos e adversos, para lhes opor o argumento sociológico de que somos muitos e plurimos na origem e em nosso Estado se fundem cerca de 80 diferentes etnias e conservamos ainda áreas pioneiras. Nossa colonização se fez por três vertentes independentes e sucessivas: a tradicional, que ocupou o litoral e os Campos Gerais e as outras duas, que vieram pelos fundos da casa: a do Norte do Paraná, com o café e a do Oeste e Sudoeste, através da corrente teuto gaúcha, assim por quê o Paraná constitui ainda hoje um estado em permanente formação e, pelas suas  contingências está longe ainda de oferecer um modelo de identidade própria, para que se queira ou possa servir para se impor às demais unidades da Federação.

A bem de ver, Pinheiro Machado acabou afinal tido como um jovem ainda mal informado e preconceituoso, e a maturidade e o tempo fariam dele um dos nossos melhores historiadores, confiado no nosso passado na formação e no destino do nosso Estado. Fernando, por sua vez era um jornalista e quis fazer graça. Um jeux d’esprit. Bento ofereceu, então, um inventário geral e pontual de nossos atributos e da consistência do nosso desenvolvimento e de nossa liderança em muitos plano, incluindo lendas de primitivismo, que nos foram legadas, como a dos amores de Nhaipy e Tarobá, e tantas outras que Romário Martins vinha revelando da mitologia indígena. Também no campo cultural não nos faltava “relevo humano”, pois já das últimas décadas do século XIX, Curitiba manifestava uma intensa vida literária e o Paraná passava a ocupar um centro regional de cultura de expressiva grandeza.

Já tínhamos a nossa Universidade, aproveitando a “desoficialização” da reforma Rivadavia Correa e ostentávamos figuras do porte do historiador Rocha Pombo, do crítico Nestor Vitor ou do poeta Emílio de Menezes. Foi no Paraná que surgiu o movimento simbolista que durante meio século haveria de dar vida a uma legião de poetas nascidos no Estado ou mesmo fora dele.

Na opinião de Roger Bastide, o simbolismo foi a primeira manifestação de um Brasil diferente do Brasil tropical, com consciência daquilo que o Brasil tem de específico e autenticamente brasileiro, contra os que pretendem amoldar todos os brasileiros ao seu mesmo molde.

Bento excluiu assim a hipótese do homem-padrão, nosso genótipo, um modelo único e geral, representativo do paranaense, que não se pode cobrar diante de suas diversidades. Depois, convém pensar que a história, na sua grande parte, é também um produto das veleidades do próprio homem. Veja assim o gaúcho idealizado. Anteriormente era um termo até pejorativo. Para Lothar Hessel, gaúcho não era então o “herói”, o cavaleiro fidalgo que ilustra a história recente do Rio Grande do Sul.  Era o “peão” nômade e maltrapilho. Confundido com o índio. E, o mesmo se faz do paulista de antes?  Ora, diz Viana Moog, que o que se fez foi magnificar também a “gente de São Paulo”, que, para os padres jesuítas do Guairá era apenas o “mameluco”. O “paulista” propriamente, só veio a ser depois, séculos adiante, com o legado do progresso de São Paulo. Igual também à idealização do “senhor de engenho”, cuja imagem atual só foi construída mais tarde.

Assim, já temos discutido bastante nossa origem, que provém de múltiplas raízes e embora desperte ainda um certo vigor e debate sobre sua composição e efetiva identidade. A bem de ver, no entanto, representamos hoje um Estado moderno, em extensão territorial e densidade populacional. Temos mais tamanho que a Áustria, a Suíça ou a Holanda e a nossa economia oferece confronto igual. Já tivemos vozes e mesmo entidades sociais que se ocuparam em promover o destaque de mossas singularidades, tanto quanto já desanimas episódios voltados a promover o desmembramento do nosso Estado, ou sua emancipação regional.

Diante de tudo isso (de que oferecemos breve resumo), acreditamos que eles possam servir, a partir do benefício natural de que o Brasil é um imenso continente, aberto à conquista de uma riqueza ainda maior e propícia para  todos, animados também pela exortação patriótica do nosso profeta Romário Martins, para que, num esforço e fé comum,  possamos enfim transformar nossas insuficiências em motivo maior para promovermos nossa prosperidade geral, para sempre e sobretudo, para proveito de todos nós.

E, diante de toda essas contingências resulta perguntar afinal: Espelho, espelho meu… qual é, na verdade, a nossa própria imagem?…

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo pessoal
  • Imagem: Mikes-Photography por Pixabay