Londrina nasceu no centro de um amplo plano de colonização imobiliária da Companhia de Terras Norte do Paraná, subsidiária da Paraná Plantation Syndicate, e, somando tudo, adquiriu 544.017 alqueires de terras, sejam por transferências de concessões como compras do estado do Paraná, entre 1925 e 1944, para pagar em 12 anos, à medida que as terras fossem vendidas.

Apesar das dificuldades naturais de uma região ainda desconhecida, a Companhia se empenhou num trabalho preliminar de demarcação e regularização de todas as terras e títulos de domínio e posse, muitos deles irregulares e falsos.

Foi, na verdade, um dos empreendimentos imobiliários de maior sucesso no país e talvez no mundo.

O sistema adotado foi o da colonização dirigida, representado por um projeto rural e urbano, de pequenas e médias propriedades rurais, cortadas em faixa desde o espigão, até o fundo do vale.

O plano tinha sede e três cidades-sedes menores: Arapongas, Apucarana e Maringá, que serviam de entrepostos comerciais, além de pequenos núcleos urbanos a 15 quilômetros um do outro.

O centro, porém, era Londrina, foco de irradiação das atividades da Companhia. Seu plano urbano, era de até 30 mil habitantes e tinha semelhanças com o modelo das cidades-jardins, em voga na Europa do início do século. Projeto de Ebenezes Howard, concebido para aliviar a carga humana e a degeneração social de inúmeras cidades inglesas. A cidade era planejada para uma população de crescimento limitado e controlado, envolvido por um entorno rural de bosques e campos. O plano urbano formava um tabuleiro de xadrez, com espaço social e oficial inteiramente previstos.

A terra era destinada à produção do algodão, para substituir o Sudão no suprimento da indústria têxtil inglesa, mas acabou se convertendo num projeto do café, favorecido pela qualidade da terra e o Convênio de Taubaté, que não fez senão atrair fazendeiros paulistas e mineiros para as terras paranaenses, situadas à esquerda do Paranapanema e fora das restrições impostas pela superprodução.

Vencida a crise de 1920 e servindo-se de um intenso programa promocional de venda de lotes, a cidade atraiu gente de todas as origens e sortes, e desde então passou a adquirir expressão urbana, convertendo-se em município (1934) e comarca (1938).

Embora planejada para duas ou três mil dezenas de habilitantes, com o afluxo constante de novos levas de migrantes, proprietários e moradores a cidade rompeu seus limites iniciais e passou a crescer de forma desordenada, engolindo maiores espaços e mesclando a população com vadios, desocupados, meretrizes, rufiões, ladrões, que, à margem da vida social da cidade, criaram seu próprio espaço de marginalidade e boêmia.

E a cidade ganhou fama de riqueza, com o que atraía meretrizes de todo o país, que se instalavam, a princípio, em pensões e pequenos hotéis, na rua Rio Grande do Sul e adjacências. Não demorou, porém, que essa dimensão se expandisse e ganhasse mais espaço urbano, de prazer e turbulência, mantendo em constante sobressalto à segurança e a moralidade pública da cidade. Nos tempos mais ricos do café, as meretrizes somavam cinco a seis mil, nas boates, bares, prostíbulos, ou fazendo “trottoir” nas ruas, tantas vezes expostas e afrontosas ao pudor das famílias e aos costumes do tempo. Na década de 50 e 60, por pressão da sociedade e das autoridades, essa Gomorra local foi transferida para a Vila Matos, mais longe do centro, onde logo se converteu numa das mais famosas “aventuras prostitucionais” do país. Eram cem casas, em quadra fechada e um sem conto de prostíbulos ou casas de show e prazer. Havia ainda as “chacrinhas”, de maior privacidade, com casas luxuosas, como o escondidinho da Jô e da Selma.

Sexta-feira era dia de gala nesse alegre comércio. As linhas da Real e Aerovias traziam de São Paulo os chamados “balaios de p…”, prostitutas que vinham em grupo passar os fins de semana em Londrina.  E era dia de festa no aeroporto local, aonde acorria um punhado de homens para recepcioná-las e fazer as escolhas mais cobiçadas. Mario Fuganti tinha chácara no local, onde, com seus amigos, era responsável por famosas noitadas pagãs. E havia ainda outros refúgios para os livres exercícios do amor.

Em ”Noites Ilícitas”, que o historiador londrinense Edson Holtz Leme vem tirando com sucesso numa 2.ª edição, você tem um amplo painel local desse tempo e dessa mega milenar herança social, que a lei não conseguiu criminalizar, nem a religião pode prevalecer sobre o pecado da luxúria. Só nossos frágeis costumes ainda resistem…

Prostituição virou profissão na Alemanha e sua regulamentação foi abolida na Inglaterra, com apoio da Liga das Nações. Fernando Gabeira teve projeto tramitando no Congresso Nacional para a sua legalização.

O tempo passou de uma das maiores aventuras boêmias do país. A vila Matos já não existe: é a nova rodoviária de Londrina. O vício migrou…

Enfim, por muito que se diga dessa quadra da história de Londrina, ainda resta muito que dizer, porém; quem sabe, se, a lição maior que ela nos deixa não seja, talvez, a de que, por mais que se abjure o vício e seus prazeres ilícitos, eles podem também servir de anúncio da chegada de um nova riqueza e novos tempos, que hoje nos façam lembrar de um e de outro, com uma certa grandeza e disfarçado orgulho.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: MirianSantos por Pixabay