Platão, um dos maiores pensadores de todos os tempos, ao procurar compatibilizar o a priori das ideias com o processo de aquisição do saber humano, imaginou que, quando nascemos, nosso espírito sofre uma espécie de decaimento, tornando-se prisioneiro do corpo, de tal forma que nosso saber constitui-se como uma forma de anamnese ou a relembrança do que anteriormente sabíamos, em plenitude.
Ora, a presença do espírito em nosso corpo representa um dado fenomenológico de fácil constatação, bastando verificar o quanto ele é diferente das características da matéria física, por ser virtual, abstrato, indutor de nossa inteligência e de nossos conceitos, criador da cultura e de nossos valores. Assim, apesar de ser dependente de nossas condições físicas e mentais, podemos de fato considerá-lo transcendente à matéria orgânica, por se constituir num acréscimo estranho a ordem da natureza.
Dotado de criatividade, racionalidade, sentimento e liberdade, mas habitando um corpo multifuncional, nosso espírito sente-se preso a uma condição que o impede de exercer a plenitude de suas características, por encontrar-se dependente dos limites que o corpo impõe ao seu desempenho. Mesmo assim, faz explodir no planeta Terra a exuberância da vida e da variedade animal, como um milagre, até agora registrado apenas sobre nosso planeta, fruto das condições excepcionais que permitiram sua evolução, culminando no surgimento de nós, seres humanos.
Por outro lado, a vida não parece ser fenômeno natural, surgido espontaneamente, tendo em vista as condições de hostilidade que ela sofre no caminho de sua sustentação, tendo a morte como uma perspectiva escandalosa em relação à vida de cada um, um processo autofágico contraditório nos esforços do espírito em mantê-la (sic). Dessa forma, pois que sua fonte verdadeira é o espírito que a anima, a vida luta de todas as formas para se manter, o que a faz aspirar à sobrevivência. A revelação cristã confirma esta condição, pelo exemplo mostrado na vida dos santos e na ressurreição do Cristo, por sua aparição aos apóstolos, em inúmeras ocasiões.
Não obstante, constatamos que a civilização humana se encontra completamente fora de seus verdadeiros sentidos, criando, constantemente, violentos mecanismos de destruição, como armas de guerra, canhões, revólveres, e utilidades de progresso como automóveis, aviões e máquinas, que, sem parar, destroem a vida humana de forma continuada, sem falar nas agressões dos agrodefensivos, que, no afã de maiores colheitas, poluem o meio ambiente. Trata-se aqui de uma distorção grave de nossa cultura, movida apenas por características de proveito econômico.
Ocupando um corpo extremamente frágil, o espírito clama por sua libertação das amarras que o prendem aos limites da pura matéria, na esperança de que uma nova civilização não fique preocupada apenas com o seu desenvolvimento material, mas instale, de forma consistente, um mundo favorável aos valores espirituais, consolidados por uma educação que saiba demonstrar o quanto é divino o ser humano em sua condição natural, vista por todos os grandes iniciados como uma provação a ser redimida por uma convivência fraterna e desprendida, superando o egoísmo; pois, como centelhas de Deus, somos eternos em nossa substância e incorruptíveis em nossa condição de seres espiritualizados.