Há algum tempo atrás escrevi dois textos de imprensa, com uma pequena diferença entre eles, um sustentando que o Brasil poderia figurar no rol da linhagem da família real inglesa, e noutro, afirmando que um dos prováveis sucessores da coroa inglesa poderia ter sido, também, o ascendente de um dos mais antigos e conhecidos moradores da cidade de Apucarana, do nosso Estado.

Uma história em que procurei me remontar à lembrança de um modesto mas competente advogado de Apucarana, que me acolhera como estagiário no seu escritório e dele me fiz colega de trabalho e até, mais tarde, eventual adversário na Justiça. Era então Emílio Índio do Brasil von Linsingen, brasileiro de Rio Negro e de procedência germânica, que trazia com o acréscimo da partícula von, o título de sua herança aristocrática. O grau de nobreza provinha, porém, de uma suposta lenda que remontava ao ano de 955, da invasão húngara, na Alemanha, tendo por palco a batalha de Lechefeld, lugar próximo de Augsburgo, na Baviera, ocasião em que os magiares húngaros foram afinal vencidos, mas o Imperador Otto I resultou ferido e só foi salvo por iniciativa de um camponês que o manteve escondido numa plantação de ervilhas. O Imperador Otto I, o Grande, ferido, pondo-o a salvo, escondido durante o tempo da batalha. Então, como gratidão à bravura do camponês, o Imperador lhe concedeu o título de cavalheiro, com o nome de Lisingen (lentilha, em alemão), símbolo que iria servir para a compor seu brasão com sete ervilhas e o adorno de um elmo, além de uma vagem de lentilhas.

Porém, depois disso, os von Linsingen passaram a ganhar prestigio oficial durante o tempo da sucessão do trono inglês, com a união dinástica da Coroa inglesa com o Reino de Hannover, ocasião em que inúmeros militares hannoverianos ganharam presença e prestígio no comando do exército e armada inglesa. Assim, ao que se soube, durante os séculos XVIII e XIX, os Von Linsingen tiveram 14 generais e 24 coronéis, nas armadas da Inglaterra e da Alemanha, e, ainda, durante a Primeira Guerra Mundial, 3 generais von Linsingen participaram diretamente do conflito.

Entre os notáveis da Coroa inglesa e de Hannover, figurava então o barão Johan Wilhelm II, general de infantaria do 12.° Regimento, senhor de Bitkenfeld e Udra, bem como do palácio de Wallmoden e outras ricas propriedades. O barão frequentava as graças da corte inglesa e foi hóspede dos reis da Inglaterra, de cuja presença participava sua filha, a baronesa Caroline, moça bonita, inteligente e viva, que acabou tomada de ardente amor pelo príncipe Guilherme, duque de Clarence e filho do rei Guilherme III, além de herdeiro presuntivo do trono da Inglaterra e Hannover. Os jovens namoravam em segredo, sobretudo nas festas do palácio Rickligens e nas termas de Rad Pyronte, de frequência da sociedade aristocrática de então.

O envolvimento amoroso passava sob aparente segredo, mas não para o pai dela, que dele deu conta à rainha, mas se surpreendeu, entretanto, quando a notícia foi acolhida com inesperada naturalidade e adotada com resultado de um simples convívio familiar.

Foi então que, mantendo seu segredo, o jovem casal decidiu consumar a união, à revelia dos próprios pais e diante do fato consumando, armando uma cerimônia matrimonial, que reunia uma série de amigos íntimos, na capela do palácio do barão Stietencron, próxima do local e a ser oficiada pelo pastor escocês Parson, contando com a presença do general e barão l Ernesto von Lising, irmão de Caroline, que serviu como pai da noiva.

Foi então que, à hora aprazada e após o baile, Caroline comunicou aos pais que ia fazer uma pequena cavalgada nas imediações, para ver o nascer do sol. Seguiu porém para a capela, onde já a aguardavam os convidados e o próprio noivo, e onde ela se aprestou para a cerimônia, vestindo uma seda branca e ostentando na cabeça uma coroa de mirto, oferta de irmão, consumando-se a celebração religiosa num clima de emoção e alegria, mas em que, mesmo assim, não deixava de conter certo grau natural de resguardo, próprio das condições em que se dava.

A princípio a união foi mantida em segredo, mas acabou por gerar o nascimento de um filho, em 25 de maio do ano seguinte, Willian B. von Lising, fato que levou o pai da Caroline a comunicar a união à rainha e à Corte, que tampouco a aceitaram trazendo admoestações da própria rainha, do que consta que o príncipe acabou por se conformar com a promessa de ver resguardada a imagem de Caroline e com a promessa de tê-la consigo mesmo na eventualidade de assumir o trono da coroa do Reino.

Há registro, no entanto, do profundo ressentimento sofrido por Caroline, que, além de se manter pessoalmente abatida, foi vítima de febre implacável que a obrigava a receber permanente tratamento médico, alentada, porém por seus pais com seguidas viagens de recuperação e recreio. Caroline acabou casando com seu médico Adolfo Meinlike, de Hildesheim, que até abandonou sua profissão, para se converter em químico de uma mina de carvão em Blansko, na República Checa, onde manteve a união modestamente, por anos seguidos e tiveram dois filhos. Ela faleceu em 1815, com 46 anos de idade.

O príncipe Willian, Duque de Clarence, passou a viver em convivência com uma atriz londrinense por 20 anos, com quem teve 10 filhos. Morreu em 1837 e não deixou herdeiros, pois suas duas primeiras filhas haviam morrido ainda crianças, ficando o trono da Casa de Hannover confiado então à sua sobrinha Vitória, de 18 anos, que reinou de 1837 a 1901.

Quanto ao destino do filho da baronesa Caroline, o primeiro projeto da iniciativa da Corte inglesa foi apagar o registro da memória do casamento, diante da lei inglesa (law mariage) e alemã, além de se desfazer de sua própria presença física, com a notícia de que morreu no parto, ou, quando não, foi vítima de afogamento em 1807, aos 17 anos, ou ainda mais, sua guarda e criação foi confiada ao casal judeu Ruben Meyer, com quem sobreviveu com a identidade distinta de Hans Georg Meyer.

Quanto a esse relato histórico, escrevi dois textos, publicados em livros, dos quais, um deles restrito à pessoa do advogado Emílio Índio do Brasil von Lising, de Apucarana da época, a quem aleguei tentar redimi-lo de um injusto esquecimento e pude até servi-lo e conviver com ele por largo tempo, além de até disputar nas lides forenses; e, um outro, em que versei sobre a existência do menor Willian E. von Lising, filho da baronesa Caroline e do príncipe Guilherme, duque de Clarence, fruto, porém, de um casamento clandestino, realizado à revelia da Corte inglesa e do consenso dos pais, mas que passou a servir, entretanto, de fio condutor para que tantos outros levantassem a hipótese da  existência de um provável brasileiro, de remota cidadania paranaense e apucaranense, que tinha condição de, a seu tempo, servir de herdeiro presumido do trono do Reino de Hannover e do trono inglês, que, por sua vez, a rainha Vitória ocupou de 1837 a 1901, no cumprimento de um direito natural decorrente de sua herança genética e das leis tradicionais de sucessão hereditária que vigoravam em prol da sucessão dos tronos reais como em toda a legislação que conhecemos sobre os direitos de herança no seu tempo.

Fomos então surpreendidos, pelo interesse recente, revelado pela pesquisadora mineira Suzana Starling de Paula, historiadora de Minas Gerais, ocupada sobretudo com a história da colonização inglesa de Mariana, mas que revela também curiosidade particular sobre o que dispomos da participação do Dr. Índio do Brasil von Linsingen na origem e no destino da linha hereditária do menino renegado Willian, filho de Caroline e Guilherme, arguido por nós como o herdeiro presuntivo da Coroa inglesa, por herança do seu pai. E, nesse sentido, até nos dispomos a remeter à historiadora todo material que solicitar com o qual contamos e o que sabemos do episódio e suas expectativas naturais, prevendo também a hipótese de que os acréscimos que ela oferecer possam servir à mais para o preenchimento dos vazios e detalhes que confessamente ainda persistem nos escaninhos da nossa própria história, sobretudo colonial, como ainda mais do que isso, possam suprir, de igual modo, as possíveis virtualidades que ainda incumbe oferecer para completar à imagem de nossa própria nacionalidade e, contando com uma extensão maior ainda, possam alcançar também, os quadros menores de nossa formação federativa.

É o que nos traz a expectativa desta nossa modesta contribuição…

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor