Na última segunda-feira (7), o presidente da Academia Paranaense de Letras, Ernani Buchmann, discursou na seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, em evento comemorativo aos 40 anos da VII Conferência Nacional dos Advogados, ocorrida em Curitiba.
Na ocasião, estavam entre os componentes da mesa, os acadêmicos René Ariel Dotti e Eduardo Rocha Virmond (respectivamente terceiro e quarto integrante, da esquerda para a direita na foto). Virmond, ex-presidente da OAB/PR e condutor da histórica conferência, foi aplaudido de pé.
Discurso do presidente:
“Caríssimos membros da mesa, já devidamente nominados, entre os quais tenho orgulho de manter relações profissionais e de amizade com tantos que me abstenho de destacar apenas um ou uma. Assim, sem saudar ninguém, cumprimento a todos.
Ilustres participantes da VII Conferência Nacional da OAB, convidados de hoje. É uma honra fazer parte desta cerimônia.
Senhoras e senhores.
Inicio a saudação que me incumbe fazer com uma pergunta:
– Quem matou Salomão Ayala?
Pois é. Mesmo contando aqui com a presença de ilustres advogados criminalistas, naquele ano de 1978 o país inteiro se perguntava.
– Quem matou Salomão Ayala? É óbvio que quem resolveu a questão foi a própria autora da trama, Janete Clair.
A repercussão da novela era tanta que Carlos Drummond de Andrade escreveu no Jornal do Brasil: “Agora que O Astro acabou, vamos cuidar da vida lá fora”.
E a vida lá fora era feita de fatos que iriam marcar nossas vidas para sempre. Foi um ano atípico, como vamos comprovar.
Em 1978, pela primeira vez na história da Igreja Católica, tivemos três Papas. Em apenas dois meses. O cardeal italiano Albino Luciani, eleito para suceder Paulo VI com o nome de João Paulo I, faleceu logo no início do seu
pontificado e foi substituído pelo cardeal polonês Carol Wojtyla, que adotou o nome pontificial de João Paulo II. Também não tínhamos tido papas com nome composto.
As nossas concepções sobre a vida estavam mudando. A própria concepção da vida iria mudar naquele ano, com o nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, produto da fertilização in vitro, nasceria na Inglaterra.
Como em todos os anos, também naquele estivemos suscetíveis aos desastres. Mas em vez de terremotos, furacões e erupção de vulcões, os desastres de 1978 foram de outra natureza. O assassinato de Aldo Moro, primeiro ministro italiano por ativistas das Brigadas Vermelhas foi um deles. Também na Itália, o acidente que vitimou o piloto sueco Ronnie Peterson, companheiro de Emerson Fittipaldi. Na Guiana, quase 900 pessoas suicidaram-se a partir de um comando de seu tresloucado líder Jim Jones. Na Argentina, a tragédia foi um placar e a desclassificação do Brasil para a final da Copa do Mundo: Argentina 6 x Peru 0.
Dentro do nosso território, o desastre se materializou no incêndio que destruiu o Museu de Arte Moderna, o MAM, no Rio de Janeiro, reduzindo a cinzas obras-primas da arte brasileira e mundial.
No mundo artístico, Orlando Silva, o cantor das multidões, despediu-se dos microfones e da vida.
Na ponta inversa, a dos surgimentos, éramos apresentados a uma liderança que se revelaria permanente. “Nunca antes neste país” houve um líder sindical como Luís Inácio
da Silva, o Lula, que em 1978 liderou a primeira greve dos metalúrgicos da nossa história.
Os acontecimentos no mundo político eram sérios. O país vivia ainda sufocado pelo poder militar, ainda que o anseio por liberdade – a mais cara conquista do ser humano – estivesse latente em manifestações que pipocavam aqui e acolá.
“O Brasil aqui está para afirmar a sua indefectível confiança nos destinos da democracia. Vimos, sentimos, ouvimos as exemplares e gloriosas vidas de Pimenta Bueno e de Hugo Simas. Esforcemo-nos para sermos seus dignos continuares.”
Com estas palavras o governador Jaime Canet Júnior saudou os convencionais na seção inaugural da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, no dia 7 de maio, há exatos 40 anos, em um Teatro Guaíra tomado de gente, de expectativa e de brios.
Seguiram-se os discursos do Professor Haroldo Valladão — em homenagem aos patronos Pimenta Bueno e Hugo Simas; do presidente da OAB Paraná, Eduardo Rocha Virmond, anfitrião da conferência; de Raimundo Cândido, pela OAB Mineira, e do Presidente Raymundo Faoro que convidou os presentes a enfrentar “as eventuais decepções
imediatas” e as converter em “estímulo para o triunfo da mais urgente causa do povo brasileiro: A CAUSA DA LIBERDADE, A CAUSA DA DEMOCRACIA, A CAUSA DO ESTADO DO DIREITO.
Ao longo dos seis dias de conferência, 47 teses foram defendidas – seis delas por advogados paranaenses. A tese nº 12 – “O Estado de Direito e os Direitos da Personalidade” – foi apresentada em conjunto pelo Professor José Lamartine Corrêa de Oliveira, e por Francisco Ferreira Muniz, que se tornaria desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.
O professor Rubens Requião argumentou em favor da tese de nº 14, a respeito da “Função Social da Empresa no Estado de Direito”. Francisco Accioly Filho apresentou a tese de nº 15, acerca do “Direito ao Casamento e a sua Dissolução no Quadro das Garantias Fundamentais”. A previdência privada foi tema da tese de nº 35, apresentada por Fernandino Caldeira de Andrada.
A tese nº 13, sobre “O Estado de Direito e o Direito da Ação”, foi apresentada pelo professor Egas Dirceu Moniz de Aragão, que esta noite nos dá a honra de sua presença e
que, lembremos, é detentor da medalha Teixeira de Freitas, símbolo maior do Direito Civil brasileiro. O professor Egas esgrimiu seus argumentos em 29 pontos para afirmar que é inaceitável qualquer restrição de natureza meramente política ao exercício do direito de ação. Suas conclusões postularam a necessidade de estatísticas jurídicas, a prestação judiciária aos necessitados, a criação das escolas de formação de magistrados e a fiscalização dos cursos jurídicos “cujo padrão de qualidade tem caído a olhos vistos”. Distraídos, poderíamos pensar que são palavras escritas para o tempo que hoje vivemos.
O professor René Ariel Dotti, também aqui presente, defendeu a tese “A Informação Cultural no Estado de Direito”, classificada nos anais sob o nº 32.
Dotti invocou os enciclopedistas franceses para destacar que “a liberdade de informação tem suas raízes fincadas no conjunto de liberdades intelectuais destacadas pelo Iluminismo”. Nos sete pontos de conclusão, o professor, conhecido defensor dos intelectuais perseguidos pelo regime, arguiu que a liberdade de informação deveria ser
inscrita de maneira autônoma na Constituição Federal, no capítulo de direitos e garantias individuais. “Os meios de informação devem ter liberdade de expressão assegurada pelo Estado… O regime de censura deve constituir uma exceção porque mutila, deforma e suprime a informação…”, afirmou.
Eduardo Rocha Virmond inscreveu na história o nome da OAB Paraná ao dizer, no discurso de abertura que “para se respeitar a história e o povo, há que se deixar fluir, com a sua única perspectiva humana: a totalidade das garantias fundamentais e do Estado de Direito Democrático. Virmond também mostrou o brilho de sua oratória durante sua intervenção no painel “O Estado de Direito”, presidido pelo Ministro Seabra Fagundes: “Entre Karl Marx, neste ponto superado, e o John Maynard Keynes, múmia redivida pelos áulicos da política financeira, escolho Carlos Drummond de Andrade. O Brasil necessita um filósofo da qualidade de vida, sem tecnocracia.
Não por acaso, os três juristas citados são hoje aqui homenageados, com láurea outorgada pela OAB Paraná, dirigida pelo presidente José Augusto Araújo de Noronha.
Após a VII Conferência tivemos boas notícias brotando no país. Por exemplo, a Justiça condenou a União pela tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido três anos antes. Decisão justa e célere.
É verdade que as eleições daquele ano transcorreram sob a Lei Falcão, de triste memória, que nos obrigou a passar dois meses assistindo na TV à exibição de fotos 3 x 4 de candidatos, a maioria dos quais era descrita, à falta de outras possibilidades de apresentação, como líderes comunitários.
Em 13 de outubro o Congresso Nacional promulga a lei que extingue o Ato Institucional nº 5, responsável por todos os tipos de transgressões às liberdades individuais, políticas e aos direitos humanos, em 10 anos de dramática e violenta vigência.
Naquele epílogo de 1978, o Brasil parecia já ter esquecido quem tinha matado Salomão Ayala. A febre vinha da forma dos Embalos de Sábado à Noite, com John Travolta e Olívia Newton-John, e pela novela Dancin’ Days, que abalava as estruturas da nação.
E valia a pena cantar
Abra suas asas
Solte suas feras
Caia na gandaia
Entre nessa festa
E leve com você
Seu sonho mais louco
Eu quero ver esse corpo
Lindo, leve e solto
A gente às vezes
Sente, sofre, dança
Sem querer dançar.
A trilha sonora era contagiante. O Brasil dançava porque queria dançar. Estávamos chegando ao fim de 1978. E nada voltaria a ser como era antes, graças à Conferência Nacional dos Advogados.
Muito obrigado.”
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