A “História Oral do Supremo (1988-2013)” constituiu num projeto de registro audiovisual e escrito da história do Supremo Tribunal Federal dos seus primeiros vinte e cinco anos de vigência da Constituição Federal de 1988, que a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas passou a promover desde abril de 2012, contando com a participação do Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea (CPDOC) e da FGV Direito SP, com vistas a oferecer um registro da biografia coletiva da instituição nessa primeira quadra da República, mesmo após a morte de alguns do seus ministros, através de entrevistas pessoais com seus membros, aposentados e em atividade, com o propósito de revelar sua história e os traços gerais do funcionamento do seu processo decisório superior, como também, no sentido geral, promover seu maior conhecimento.

A princípio, cumpre adiantar que o processo da História Oral teve origem nos Estados Unidos, nas décadas de 1940 a 50, por iniciativa do jornalista Allan Nevins, na Columbia University, servindo-se da invenção do gravador, depois substituído por câmeras de vídeo. Desde então, sua realização ganhou força sobretudo nas décadas de 60 e 70, quando somou mais de dez mil entrevistas, oferecendo não só uma visão histórica com “vista de cima”, como também uma “visão de baixo”, para incluir os chamados “excluídos”, ou seja, aqueles que não produziram documentos escritos nem oficiais.

Foi então que, após promulgada a nossa Constituição Federal de 1988, pela Assembleia Nacional Constituinte, no mês de setembro daquele ano, ao exibi-la aprovada ao país, no mês seguinte, Ulisses Guimarães lhe atribuiu então o título, que havia de conservar, de Constituição Cidadã, destinada a representar então um novo estatuto da liberdade, da dignidade e da justiça social em nosso país.

Tempos depois, porém, ao celebrar os primeiros vinte e cinco anos da sua vigência, a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (RPV Direito Rio), podendo contar com a participação do Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporâneas – CPDOC e da FGV Direito SP, assumiu promover a História Oral do Supremo Tribunal Federal, correspondente ao período de 1988-1913, para o registro audiovisual da sua história, a partir de entrevistas com seus próprios ministros, aposentados ou em atividade.

Assim, quanto à organização das entrevistas e seguindo o que consta da resenha oferecida por Pedro de Cantisano (e-mail pjirmenezes@urnich.edu), foram elas coordenadas por Fernando Fontainha e Nelson Jobim, contando, também, com a participação de professores, pesquisadores e estagiários, encarregados de um pesquisa documental extensa, que incluiu jornais, revistas, sites, currículos lattes e jurisprudência do próprio Supremo, para a construção de roteiros individuais para cada um dos entrevistados, indagando de suas origens, formação e carreira profissional, incluindo a trajetória que os tornaram “supremáveis”, além das condições pessoais de acesso, convívio e rotina de trabalho com seus pares, incluindo os hard cases.

Assim, em 1912, as entrevistas confirmaram o sucesso de 21 delas entre outras 28 realizadas, confessando porém das dificuldades naturais do seu agendamento e da resistência de alguns dos convidados devidas até a barreiras provocadas por seus assessores, assistentes e secretários. O ministro Paulo Brossard, por exemplo, faleceu meses depois da entrevista, igual a Djaci Falcão cuja morte se deu pouco antes do início das entrevistas. Os desafios maiores, porém, foram atribuídos às ministras, que eram três: Ellen Grace (aposentada), Rosa Weber e Carmen Lúcia, que embora não tenham sido realizadas na oportunidade, assumiram entretanto o compromisso de a adotarem no aguardo de um novo agendamento, que oferecesse condições mais confortáveis à condição feminina. A princípio, também, a História Oral foi vista naturalmente com certa reserva e resistência, à conta de não se tratar de fonte confiável, por se tratar de uma visão do passado, sujeita à memória e idiossincrasia do entrevistado. Alguns deles só se animaram a realizá-las depois da própria aposentadoria.

Em geral, porém, as entrevistas foram realizadas em uma ou mais sessões individuais, com a presença até de esposas e assessores, com a duração de quatro ou cinco horas, em média, exceção das de Sidney Sanches e Nelson Jobim, quando a deste tomou quase dez horas de tempo, ambas conservando, porém, descontração e boa vontade.

No final de 2016, o projeto estava enfim concluído, contando com 15 depoimentos, revistos e confirmados por técnicos e pelos próprios entrevistados, para serem convertidos em livros individuais e vídeos disponibilizados on-line, para o mundo todo. Hoje, as entrevistas estão disponíveis no site http://historiaoraldosupremo.fgv.br/, em open acess, porém, mesmo à vista de uma interpretação individual de que este projeto logrou oferecer apenas uma avaliação geral, embora valiosa, do grau de cultura e desempenho superior alcançados no período pela vida judiciária do país, a nosso juízo, porém, foi mais do que isso, pois procurou oferecer uma visão e avaliação pessoal e coletiva produzida, sobretudo, pelo impacto maior dos valores sociais e jurídicos que foram consagrados pela Constituição de 1988 e prenunciados publicamente pelo seu presidente, em momento histórico nacional de sua aprovação.

Ao cabo, embora os impactos mais sérios que o projeto oferece, ele nos proporciona, entretanto, uma leitura fluente e agradável, entremeada de episódios pitorescos, mais próprios até da intimidade da vida judiciária, que sempre foi preservada como atividade ciosa do resguardo do caráter e do comportamento dos seus agentes, e, talvez mais ainda, pelo alcance de suas próprias decisões.

Assim se fez constar que, nos hard cases em que Nelson Jobim fosse surpreendido por um julgamento de maior dificuldade, combinava com o decano Moreira Alves para pedir vista do processo, quando o presidente lhe avisasse levantando as sobrancelhas. Soubemos também que Célio Borja bateu o telefone na cara de um intruso que quis cobrar dele seu voto ou Joaquim Barbosa confessando as dificuldades que teve de vencer durante o julgamento do Mensalão. E tem mais curiosidade, como a do ódio oferecido à sumula vinculante, que Celso de Melo converteu em bloco de votação, suprimindo, para alguns, a autonomia do magistrado e o primado da magistratura.

Por fim, é o quanto nos resta dizer, pois o projeto está hoje todo exposto e acessível a preços módicos, para que todos possam desfrutá-lo, sobretudo os que de algum modo participam do ideal da justiça mas, sobretudo, do esforço humano de procurar distribui-la.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo pessoal
  • Imagem: cedida pelo autor