A história da colonização e desenvolvimento do norte do Paraná é um tema que tem merecido um número expressivo de contribuições de trabalhos de pesquisa e interpretação, que hoje compõem uma valiosa bibliografia sobre todo o processo de ocupação e colonização da região setentrional do Paraná.

E, a propósito, foi realizado de 6 a 9 de outubro de 2015, em Maringá, o II Congresso de História da Universidade do Paraná, com participação de  professores  das universidades estaduais do Paraná e Mato Grosso, entre os quais o professor Maurílio Rompatto, do campus Apucarana, como um dos seus coordenadores e com uma tese conjunta com Érika Leonel Ferreira, aluna do curso de Serviço Social, da mesma universidade, visando corrigir o que chamou de mitos que ainda persistem na historiografia do nosso Estado.

Na verdade, o trabalho é singelo e se atém a uma breve exposição histórica sobre a ocupação e desenvolvimento agrícola e social do norte paranaense, em que ocupa papel histórico a antiga Paraná Plantations Ltd, depois Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP e, ainda, Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.

Ora, o livro “Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná”, publicado em 1975 pela própria Companhia Melhoramentos, não só atribuiu o empreendimento à sua iniciativa pioneira, reportada a 1920, quando ocupou um  território definido como “vazio demográfico”, ou registrado como terras devolutas, que, na verdade, embora constituíssem uma vasta mata, contava, porém, com uma expressiva presença humana, representada por índios caingangues, inúmeros posseiros, além de chegar a contar afinal com 41 outros empreendimentos imobiliários particulares e semelhantes, oriundos de concessões, muitas delas revogadas, entretanto, pelo governo Afonso Camargo.

Outro mito desfeito por Rompatto e Érika concerne à extensão do projeto colonizador e particular da Companhia, que ela costuma atribuir à sua exclusividade e iniciativa, abrangendo todo o território do Estado, quando, na verdade, seu empreendimento foi finalmente reduzido a apenas 30% da terras da região.

Enfim e ao ver dos autores da tese, tampouco prevalece a versão de que o projeto colonizador se baseava na promoção de uma política social de reforma agrária, só porque se tratava da oferta de pequenos lotes rurais de 5 a 15 alqueires, pois, a se adotar esse sentido único, a visão do projeto fica reduzida naturalmente ao intento simples de alcançar lucros maiores e imediatos, sem lograr uma visão mais larga que incluísse, em geral, pretendentes providos de recursos de alcance limitado, como lavradores sem-terra ou simples imigrantes estrangeiros tentando um recomeço de vida.

Por outro lado também se sabe que a efetiva ocupação do norte do Paraná ocorreu a partir da presença no Brasil, em 1923, durante o governo do presidente Arthur Bernardes, da chamada Missão Montagu, liderada pelo Lorde Edwin Montagu e altas figuras do tesouro financeiro do governo inglês. A Inglaterra acumulava, no entanto, graves problemas de depressão econômica, com uma dívida externa de cem milhões de libras e a cifra de dois milhões de desempregados.

Assim, também, o mito da colonização não constituiu um só projeto prioritário da comissão, voltado a cobrar a dívida do Brasil com seu país, ou comprar o Banco do Brasil, como também aguardava convertê-lo em investimentos produtivos, que incluíssem a implantação no país do monopólio da lavoura do algodão, mediante o sistema do latifúndio, para suprir o declínio das lavouras do Sudão, de onde provinha então a fonte principal da indústria têxtil inglesa.

Outrossim, em virtude da recusa a Lord Lovat, de acolher a oferta milionária da comissão inglesa, para a compra da fazenda Três Bocas, de cinco mil alqueires e um milhão de cafeeiros, de propriedade do major Barbosa Ferraz, em Cambará, o projeto algodoeiro acabou adquirindo seu sentido definitivo com sua conversão em empreendimento de colonização agrícola e urbana da região, através da fundação da Paraná Plantations Ltda., em 1924, convertida em 1925, na Companhia de Terras Norte do Paraná, voltada para a venda de terras e a cultura cafeeira, para cujo incremento agrícola se tentou promover até a emigração de assírios, vindos do norte do Iraque, cujo projeto, no entanto, acabou sem ser levado adiante, devido à resistência da opinião pública paranaense, por suas próprias lideranças.

Por sua vez, o projeto do prolongamento da ferrovia São Paulo – Paraná foi anterior à presença da Missão Montagu, com vistas a se ligar à linha férrea da Sorocabana, cuja iniciativa é atribuída a Barbosa Ferraz e produtores da região, visto o insucesso do empreendimento algodoeiro, quando então a Paraná Plantations passou a redimensionar seu novo interesse, voltando-se para a colonização da região e a criação da Companhia da Terras Norte do Paraná, para incorporar o prolongamento da ferrovia São Paulo – Paraná com a Sorocabana, no trecho de Cambará a Ourinho, de 29 quilômetros, e a construção da ponte sobre o rio Paranapanema.

O intercurso com a Estrada de Ferro Sorocabana visava favorecer o escoamento da produção da região em direção de Santos, o principal porto do pais. Os recursos dos empreendedores eram porém insuficientes para o vulto da obra, daí a necessidade de contar com a participação de outros investidores, como ocorreu com a própria Missão Montagu e o Governo Federal, este com concessões que favoreceram sua consecução e incorporação final à União.

Hoje se reconhece que a construção da ferrovia não foi apenas um momento importante da colonização da região, porque, mais que isso, foi um fator superior do desenvolvimento de toda a sua extensão e crescimento de cidades como Rolândia, Arapongas, Apucarana e Maringá.

Apucarana, porém, merece um destaque final e particular. Projetada pela Companhia em 1934, para ser um pequeno povoado e polo de abastecimento intermediário, tornou-se cidade e sede de comarca em 1944, e, mesmo sem merecer incentivo da empresa colonizadora, ela se desenvolveu sozinha, à conta da confiança e do esforço dos seus próprios moradores, com especial participação da colônia ucraniana.

A construção da ferrovia foi também fator determinante do seu crescimento e para que seu desenvolvimento fosse mais além das expectativas da Companhia de Terras. E, mais ainda, conta a inauguração, em 1948, da Empresa Elétrica Vale do Ivaí, localizada na “Barra Funda”, para a montagem do complexo de beneficiamento e comércio de cereais do município. Também conta do seu progresso, a instalação da indústria de bonés, que se tornou a maior do Brasil e teve no piloto Ayrton Sena seu garoto propaganda, ao lado de indústrias de couro e alimentos, além da de confecções e vestuários.

Enfim, desfeitos os mitos, seu merecido orgulho é hoje representado pelo sucesso do seu destino e de sua prosperidade, conquistas do ideal e do esforço do seu povo, e de quantos contribuíram para que essa grandeza pudesse ser alcançada.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
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