Em 7 de setembro último tivemos a comemoração do bicentenário da independência do Brasil, quando então nos emancipamos da condição de colônia e conquistamos nossa independência, como nação soberana.

Porém, ao invés da efeméride se destinar a exaltar sobretudo seu sentido heroico, referente a uma das datas mais festivas da nacionalidade brasileira, pelo contrário, se viu usada para se prestar, às vésperas do pleito eleitoral, para proveito pessoal do nosso atual presidente, na sua campanha para reeleição a um novo governo na chefia do país.

Porém, como se trata de uma das datas mais importantes dos nosso calendário histórico-político e a ocasião se destinaria, realmente, para rever e fazer refletir sobre a história da nação em seu longo e rico caminho, e para procurar fazer refletir sobre nosso longo e rico passado e seu destino, para amentar nosso amor e memória da pátria comum, em homenagem aos que o construíram e a tem servido desde então.

Mas, a data vale também, e no melhor sentido, para trazer uma visão mais atual e certamente verdadeira, do consagrado “Grito retumbante” de 7 de setembro, mediante denúncia das mutilações que tem sofrido ao largo do tempo, e que Carlos Lima Júnior, Lília  Schwarcz e Lúcia Stumpf, procuram resgatar, através do recente livro “O Sequestro da Independência”, desvelando os mitos com que foram escamoteados seus anais, com acolhimento oficial e até geral, mas que não se reduzem  ao episódio heroico das margens do Ipiranga, para alcançar também seu cenário mais amplo, incluindo seus precedentes, causas e protagonistas, culminando com a promoção da independência.

Em princípio, portanto, devemos resgatar a imagem do 7 de setembro diante do mito levantado em Salvador, da Bahia, de que o episódio teria ocorrido em 10 de outubro de 1825, por ocasião da sagração e coroação do Imperador D. Pedro I. Essa mesma data foi atribuída também no Maranhão.

Ainda há outras denúncias igualmente metafóricas, atribuídas às nossas memórias históricas, que vão também corrigidas pelo livro de Carlos Lima Júnior, Lília Schwarcz e Lídia Stumpf, “O Sequestro da Independência”, e que inclui a tela de Pedro Américo, consagrada como imagem oficial do “Grito” da Independência, a partir da figura do cavalo montado por Dom Pedro, que era, na verdade, um jumento, animal usado de preferência nas estradas do país do seu tempo, e eram postados também pelos demais membros da tropa.

Há que lembrar ainda a exigência do Barão Ramalho (da comissão da tela), ´para a exclusão do negro da pintura e sua substituição pela cor do caboclo, ou mestiço do negro e do branco dos personagens como o carreiro.  A colina do terreno foi também um acréscimo da pintura, como a casa disposta à beira, na direita da cena.

Sentimentos naturais da identidade nacional e do orgulho da cidadania.

Penso, porém, que há outros resgates propostos, que são ofertados por obra mais recente, como a “Adeus, senhor Portugal”, de Rafael Carriello e Thales Zamberian Pereira, que oferece um quadro mais amplo da nossa Independência, com seus antecedentes, causas e consequências, que até excluem uma visão pessoal do “Brado Heroico” da parte do príncipe regente, para oferecer um panorama em que sua raiz está na vinda da  família real para o Rio Janeiro (1808), com sua burocracia estatal, e tem ainda razão mais próxima, como a da revolução do Porto (1820), e a instalação das Cortes Constitucionais de Portugal, na metrópole.

A interpretação tradicional que se fez desde então sobre as causas que levaram à Independência, se ressente dos limites de uma visão histórica confiada a considerações gerais, como a que ofereceu Oliveira Lima, para quem ela consistiu numa mera “transação” espontânea, fruto da maturidade do próprio tempo. Para os marxistas, entretanto, resultou de um confronto entre as elites econômica e a política; Caio Prado, porém, corrigiu a relação para proprietários rurais e comerciantes, ou, indo mais além, para a produção industrial capitalista e o regime colonial vigente e ultrapassado.

Ninguém se debruçou, entretanto, sobre a cultura política da época e o quadro de dificuldades materiais e econômicas dos 30 anos que antecederam a Independência e levaram ao fim o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Assim, o livro se viu acolhido por uma visão original, mas madura e pontual, oferecida à causa da Independência, revelando, sobretudo, um quadro amplo de má gestão das contas públicas de D. João VI, a partir de 1810, com os gastos excessivos do erário e da família real, que serviram à causa de uma inflação constante dos preços dos bens e serviços, para incluir também o atraso no pagamento dos servidores civis e militares e das sucessivas incursões guerreiras no continente, que obrigaram a emissão desenfreada de papel moeda pelo recém criado Banco do Brasil, e, mais ainda e no geral, provocaram a degradação da vida e a insatisfação dos seus súditos, para que, na conta final, servirem de caldo de cultura para que hoje possamos avaliar o grau de intensidade dado pelo grito emancipador, da parte de um próprio príncipe da Casa Real portuguesa, embora representasse, afinal, um personagem remanescente do absolutismo decadente, que, mesmo depois do gesto liberal,  mostrou a  tentativa procurar restaurá-lo.

Finalmente, à leitura dos livros mencionados e nos limites que nos são concedidos, há de se confiar que o 7 de setembro nacional não deixe servir para celebrar somente a criação de um Estado nação, mas sirva, sobretudo, para representar uma verdadeira revolução política, fruto da quadra final do absolutismo, para a criação de uma nova nação independente e comprometida com os valores sociais e políticos ofertados pelos ideais prometidos pelo liberalismo e à consecução dos melhores dotes da democracia.

Que o 7 de setembro, qual seja o verdadeiro dia e a data de sua celebração, sirva sempre e somente para comemorações da nacionalidade e não se preste nunca ao simples oba-oba das festas de eleição política.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo pessoal
  • Imagem: Quadro Independência ou Morte
  • Artista: Pedro Américo